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“Voz”, de Jorge Verly


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 23/12/2020
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Jorge Verly. Voz. Vitória: Cousa, 2017.

Há dias que nos desafiam mais do que outros, e momentos que nos colocam à prova mais do que outros. São vozes que vêm de todos os lugares, muitas delas para nos tirarem a paz – uma paz que, pergunto, quando existiu? Prefiro não ser daqueles que olha a infância como o Éden. Mas, por que prefiro essa perspectiva? Porque há em minha mente inúmeras vozes que me dizem que o mal-estar é uma constante na humanidade (quiçá na natureza?). Essas minhas impressões são em parte confirmadas por Jorge Verly em seu livro de poemas “Voz”, quando manda às favas “a cultura, a civilização”:

 

On the road

No som do carro,

em plena BR 101,

ali entre Fundão e Timbuí,

pensando no simpósio sobre Adorno,

na votação do superávit primário

e nas outras implicações do mundo sobre

aquilo que tateio no papel,

Gilberto Gil chega

qual um Batman Baiano

para me salvar:

“A cultura, a civilização, elas que se danem!” (p. 35).

 

            O ser humano se preocupa com tantas coisas, e é por isso, em parte, sempre em parte, que há momentos mais desafiadores do que outros. Quem nos impôs a necessidade de carregar o mundo nas costas? Quem disse que o mundo está sobre os nossos umbigos? Na verdade, o contrário parece ser verdadeiro: nós, seres humanos, somos poeirinha da poeira, e a natureza como um todo segue indiferente aos nossos gritos e gemidos.

 

A Baleia

Enquanto escrevo este poema,

na madrugada de um sábado

que já nascerá perdido,

uma imensa baleia, singrando o Oceano Glacial Antártico

a exatos 7.086 km de distância da minha casa,

jorra pela aleta posicionada

bem no meio das suas extraordinárias costas

um misto de água, sal

e indiferença (p. 29).

 

            Enquanto isso, enquanto a baleia segue indiferente em seu nadar, nós, seres humanos, seguimos nossa vida agitada atrás de uma civilização que arde em barbárie, conforme afirmava Walter Benjamin: “Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie” (BENJAMIN, 1987). E é a barbárie um dos focos da crítica também de Theodor Adorno, pensador com várias perspectivas semelhantes à de Benjamin, e que Verly tanto aprecia. É por causa desse mal-estar que a voz é “mutante”, como bem expressa o poeta capixaba. Nesse registro, a voz torna-se protagonista no livro de Jorge Verly, a ponto de receber quatorze poemas com o simples título “Voz”.

            Falando em simplicidade, a capa da obra é mais simples impossível, mas nem por isso inexpressiva: “voz” aparece em letras garrafais, logo abaixo o nome do autor, um fundo branco e só. A voz está sozinha. E parece que assim será. Porém, só parece, afinal, “(...) nenhuma revelação se faz/ na ausência de qualquer voz” (p. 39), e o livro do poeta é cheio de revelações...

 

 

 

 

 Dr. Felipe Figueira

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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