“Voz”, de Jorge Verly
Jorge Verly. Voz. Vitória: Cousa, 2017.
Há dias que nos desafiam mais do que outros, e momentos que nos colocam à prova mais do que outros. São vozes que vêm de todos os lugares, muitas delas para nos tirarem a paz – uma paz que, pergunto, quando existiu? Prefiro não ser daqueles que olha a infância como o Éden. Mas, por que prefiro essa perspectiva? Porque há em minha mente inúmeras vozes que me dizem que o mal-estar é uma constante na humanidade (quiçá na natureza?). Essas minhas impressões são em parte confirmadas por Jorge Verly em seu livro de poemas “Voz”, quando manda às favas “a cultura, a civilização”:
On the road
No som do carro,
em plena BR 101,
ali entre Fundão e Timbuí,
pensando no simpósio sobre Adorno,
na votação do superávit primário
e nas outras implicações do mundo sobre
aquilo que tateio no papel,
Gilberto Gil chega
qual um Batman Baiano
para me salvar:
“A cultura, a civilização, elas que se danem!” (p. 35).
O ser humano se preocupa com tantas coisas, e é por isso, em parte, sempre em parte, que há momentos mais desafiadores do que outros. Quem nos impôs a necessidade de carregar o mundo nas costas? Quem disse que o mundo está sobre os nossos umbigos? Na verdade, o contrário parece ser verdadeiro: nós, seres humanos, somos poeirinha da poeira, e a natureza como um todo segue indiferente aos nossos gritos e gemidos.
A Baleia
Enquanto escrevo este poema,
na madrugada de um sábado
que já nascerá perdido,
uma imensa baleia, singrando o Oceano Glacial Antártico
a exatos 7.086 km de distância da minha casa,
jorra pela aleta posicionada
bem no meio das suas extraordinárias costas
um misto de água, sal
e indiferença (p. 29).
Enquanto isso, enquanto a baleia segue indiferente em seu nadar, nós, seres humanos, seguimos nossa vida agitada atrás de uma civilização que arde em barbárie, conforme afirmava Walter Benjamin: “Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie” (BENJAMIN, 1987). E é a barbárie um dos focos da crítica também de Theodor Adorno, pensador com várias perspectivas semelhantes à de Benjamin, e que Verly tanto aprecia. É por causa desse mal-estar que a voz é “mutante”, como bem expressa o poeta capixaba. Nesse registro, a voz torna-se protagonista no livro de Jorge Verly, a ponto de receber quatorze poemas com o simples título “Voz”.
Falando em simplicidade, a capa da obra é mais simples impossível, mas nem por isso inexpressiva: “voz” aparece em letras garrafais, logo abaixo o nome do autor, um fundo branco e só. A voz está sozinha. E parece que assim será. Porém, só parece, afinal, “(...) nenhuma revelação se faz/ na ausência de qualquer voz” (p. 39), e o livro do poeta é cheio de revelações...
Dr. Felipe Figueira
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.