A generic square placeholder image with rounded corners in a figure.


“O perigo de uma história única”, de Chimamanda Ngozi Adichie


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 05/04/2023
  • Compartilhar:

2014 foi o ano que ocorreu a Copa do Mundo no Brasil. Um turista, disposto a conhecer o Paraná, foi até Maringá e, nessa cidade, havia um professor que trabalhava comigo. O turista perguntou ao meu colega: “A floresta amazônica está perto daqui?”

Em 2016 fui a Barcelona, Espanha, e fiz amizade com um casal de professores brasileiros. Ao entrarmos em uma loja de lembranças, um dos atendentes disse para a professora: “Se você é brasileira, samba para eu ver.”

As duas histórias acima, que podem ser multiplicadas à exaustão, têm a ver com algo denunciado pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Ela, de origem africana, diversas vezes se deparou com a abstração de que a África é um país só e de que lá só há animais, guerras e miséria.

Por meio de uma narrativa curta e envolvente, derivada de uma palestra, “O perigo de uma história única” é um livro que serve, a um só tempo, como testemunho da unidade e da pluralidade humana, e como um bom texto de metodologia científica. De unidade e pluralidade, pois, sendo a escritora pertencente à espécie humana, carrega traços do uno, mas, o uno só existe na pluralidade; e de metodologia científica, pois é impossível a qualquer um que se pretenda lançar à vida intelectual ter um só ponto de vista. É terrível e perigoso quando pesquisadores e divulgadores de conteúdo, estes, tão numerosos hoje em dia, se baseiam em um só autor, ou querem apenas promover, de modo sentimental, determinada ideologia. Tais posturas são frágeis e infantis, ainda que poderosas em seus efeitos.

Chimamanda Ngozi Adichie traz uma série de histórias em seu livro para expor a tese acerca do perigo de uma história única. Uma delas vale a pena destacar. Um de seus professores, nos Estados Unidos, não gostou de seu romance, não porque ele tivesse problemas técnicos, mas porque não se parecia “autenticamente africano”. Na prática, porque, segundo o professor, os personagens se pareciam com ele: pessoa de classe média e instruída. Detalhe: o pai da romancista, na Nigéria, era professor universitário, e a mãe, empresária. O que o professor queria que aparecesse era a miséria, a imagem única sobre a África.

“Assim, comecei a me dar conta de que minha colega de quarto americana devia ter passado a vida inteira vendo e ouvindo versões diferentes dessa história única, assim como um professor universitário que certa vez me disse que meu romance não era “autenticamente africano”.

Eu estava bastante disposta a admitir que havia diversas coisas erradas com o romance e que ele fracassava em vários aspectos, mas não chegara a imaginar que fracassava em alcançar algo chamada “autenticidade africana”. Na verdade, eu não sabia o que era autenticidade africana. O professor me disse que meus personagens pareciam demais com ele próprio, um homem instruído de classe média: eles dirigiam carros, não estavam passando fome; portanto, não eram autenticamente africanos.” (ADICHIE, 2019, p. 20-21).

A quem busca combater a abstração de valores e, consequentemente, a quebra de paradigmas, encontrará no livro da escritora nigeriana uma poderosa ferramenta. Os exemplos por ela dados são ótimos e a perspectiva teórica é desenvolvida suavemente, o que ajuda o leitor criar generalizações sem, contudo, criar novas abstrações daninhas. É preciso sair de uma história única, o que gera a possibilidade de novos paraísos: “(...) quando rejeitamos a história única, quando percebemos que nunca existe uma história única sobre lugar nenhum, reavemos uma espécie de paraíso.” (ADICHIE, 2019, p. 33).

Chimamanda Ngozi Adichie. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


Anuncie com Jornal Noroeste
A caption for the above image.


Veja Também


smartphone

Acesse o melhor conteúdo jornalístico da região através do seu dispositivos, tablets, celulares e televisores.