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Memórias do filme “Martinho Lutero”, de 1953


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 12/06/2020
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Há exatos 20 anos eu estava na sexta série (atual sétimo ano) do ensino fundamental. O ano era 2000 e eu estudava na Fundação Bradesco de Paranavaí. Em um dia comum de aula de História a professora Elizabeth Ebiner, provavelmente sem saber da extensão da sua atitude, exibiu para a minha turma o filme “Martinho Lutero”, de 1953. Aquele filme me marcou pela qualidade tanto dos atores quanto da própria história trazida pelo filme. Eu não sabia expressar ao certo o porquê eu havia gostado tanto daquela película, mas ela jamais saiu de mim.

Vários anos se passaram e eu me tornei professor de História. Aquele filme sobre Lutero era algo que eu ansiava rever, mas que nunca mais tinha encontrado. O único filme sobre o teólogo que eu tinha acesso era o produzido em 2003, porém, por mais que este fosse razoável, não era da mesma ordem do filme de 1953, além do que eu considerava a obra mais recente muito romântica, muito sentimental.

Algo difícil de encontrar em biografias, muito mais difícil ainda quando se trata de biografias de religiosos, é uma abordagem que não seja uma espécie de hagiografia, isto é, uma vida de santo. Não confundir biografias com hagiografias, aqui entendida como um gênero literário que realça mais (ou só) as virtudes do que os erros e as angústias é algo que não me agrada muito.

O “Martinho Lutero” de 1953, que, como eu disse, havia assistido no ano de 2000, foi extremamente difícil de encontrar, sendo que só recentemente, abril de 2020, pude encontrá-lo na internet, mas não sem antes confundi-lo com o “Martinho Lutero”, filme também em preto e branco, mas de 1974. Eu percebia algo diferente, o que me ensejou pesquisar um pouco mais para ver se essa película da década de setenta era a de fato exibida pela minha professora da educação básica. Para a minha tristeza, não era o mesmo filme, mas, depois, tive a felicidade de encontrar o filme de 1953, que para mim era uma das joias das minhas memórias.

A saga para encontrar a película certa me fez pensar o quão frágil é a memória, tão frágil quanto uma argila fresca pronta para ser moldada. Essa metáfora parece casar bem com o clima bíblico trazido pelo filme ora em revisão. Fico a imaginar, com esse simples exemplo da busca pelo filme de Lutero, em meio aos meus erros, o quão frágil é a memória de um indivíduo, e também a memória de um povo, muito mais se ela for conduzida por diversas instituições, o que, na prática, é o que ocorre.

Lutero, na medida do possível, e nisso está o seu caráter reformador, cético e intelectual, pretendia pensar e vivenciar Jesus Cristo mais por si só do que por intermédio da tradição católica. Lutero, um professor (ele ensinou em Wittenberg, Alemanha), estudou profundamente a Bíblia, escreveu livros, as famosas 95 Teses penduraras na porta da igreja do castelo de Wittenberg, criticou a venda de indulgências e relíquias, foi processado pela Igreja Católica, escreveu vários cânticos, recebeu o apoio de vários nobres alemães que estavam descontentes com a Igreja, foi alguém extremamente perturbado, cheio de dúvidas e perseguições, etc. É do ex-monge agostiniano, também, a famosa frase “Não posso renunciar”, pronunciada em 1521, na Dieta de Wörms, quando, em assembleia convocada pela Igreja, pretendeu-se que Lutero renunciasse suas teses, ao que ele recusou. 

À parte esse monte de informações e adjetivações, cabe dizer que o teólogo nunca foi, nem no passado e tampouco no presente, um nome unânime, mas extremamente controvertido. Esses paradoxos são em parte trazidos pela película aqui trabalhada, que tem como uma de suas características a voz de um narrador externo, o que deixa o filme com um caráter documental, mais sério, mais austero, algo mais próximo, a meu ver, da figura de Lutero.

Afinal, por que um filme exibido em uma aula de História não saiu da minha mente? Talvez, só talvez, porque ele explora a vida de um homem, de um professor cheio de conflitos, algo que faz lembrar, em certa medida, do meu próprio estado de espírito. Lutero foi padre e professor. No caso, eu estudei para ser padre e sou professor. O filme chega a mencionar os trabalhos de Michelangelo e de Rafael em Roma, grandes artistas do Renascimento Italiano, algo que não ocorre com o “Lutero” de 2003 que tantas vezes assisti. No caso, o Renascimento é um dos períodos da história que mais gosto. Enfim, talvez, sob o auxílio de uma análise mais profunda, eu entenderia mais os motivos pelos quais a película da década de cinquenta nunca tenha saído das minhas memórias.

 

Martinho Lutero (no original em inglês: “Martin Luther”)

Ano: 1953

Direção: Irving Pichel

Roteiro: Allan Sloane, Lothar Wolff,.

Elenco: Niall MacGinnis, John Ruddock, Pierre Lefevre

Gênero: Drama histórico-biográfico

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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