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Educação e tempo livre


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 06/11/2025
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          Por inúmeras vezes me perguntei por que aprendi certos assuntos que depois nunca os utilizei ou simplesmente foram esquecidos. Por inúmeras vezes questionei certos ensinamentos, mormente universitários, por serem a particularidade da particularidade e a isso chamei de eruditismo (conhecimento pelo conhecimento). Ainda que eu possa ver razões para as minhas críticas, estas também são criticáveis. Preciso fazer uma crítica às minhas críticas.

          Primeiramente, quem tende a criticar a escola, no mais das vezes faz a partir de clichês e/ou a partir de certos parâmetros. Quase sempre a escola acaba no banco dos réus, como se ela desperdiçasse um valioso tempo de vida colocando-a a serviço de nada ou de pouca coisa. Jan Masschelein e Maarten Simons, na obra “Em defesa da escola” (2019) apontam cinco “acusações, demandas e posições” comuns à escola: 1ª Alienação, 2ª Consolidação de poder e corrupção, 3ª Desmotivação da juventude, 4ª Falta de eficácia e empregabilidade, 5ª A demanda de reforma e a posição de redundância. Vamos agora passear por esses pontos brevemente.

          1º Alienação. Considera-se que na escola ocorre uma separação em relação à “vida real” e os saberes escolares são artificiais.

          2º Consolidação de poder e corrupção”. A escola, ao ensinar, nada mais faz do que reproduzir as desigualdades, logo, é serva do “capital econômico” (MASSCHELEIN & SIMONS, 2019, p. 15).

          3º Desmotivação da juventude. Pelo fato de que a escola segue com estruturas consideradas arcaicas, os jovens não gostam de frequentá-la. Para resolver esse problema, é preciso acabar com o tédio e fazer do aprender algo divertido. Para efeito de exemplificação, é exatamente esse o espírito que é visto nos filmes “Ao mestre, com carinho” e “Sociedade dos poetas mortos”.

          4º Falta de eficácia e empregabilidade. Aqui a escola é vista a partir de um “tribunal econômico” (MASSCHELEIN & SIMONS, 2019, p. 18). Se a escola não pode ser comparada a um negócio, é porque há algum problema (eis a crítica).

          5º A demanda de reforma e a posição de redundância. Uma vez que a escola tem problemas, nada mais lógico do que reformá-la. Além disso, a escola, por ter estruturas arcaicas, não se deu conta do mundo virtual: “(...) a escola, onde a aprendizagem está ligada ao tempo e ao espaço, não é mais necessária na era digital dos ambientes de aprendizagem virtual” (MASSCHELEIN & SIMONS, 2019, p. 22).

          A consequência derradeira dessas críticas é ou uma outra escola ou um adeus à escola. Uma outra escola é sempre necessária, mas muitas vezes o que se observa são críticas pela crítica. E há também os que defendem um adeus à escola, pois, se ela só oferta o que não tem serventia, não há o porquê de existir.

          Todavia, contra esses argumentos, que até possuem algum sentido em um ou outro aspecto, a escola segue tendo “serventia”. Porém, que serventia é essa? A do tempo livre, para seguir na argumentação dos autores de “Em defesa da escola”. Em que lugar a criança pode ir que não seja no horizonte familiar, mas, ao mesmo tempo, sem ser entregue à sociedade como um todo? Em que lugar é possível desenvolver de forma tão ampla o conhecimento quanto na escola, por mais cheia de problemas que ela de fato possa ser? O tempo livre chamado escola permite uma série de imaginações que a própria imaginação não dá conta de compreender.

          Acontece que a escola, nos moldes gregos, sempre se associou, até em termos linguísticos, a tempo livre. Skholé significa “(...) tempo livre, descanso, adiamento, estudo, discussão, classe, escola, lugar de ensino (MASSCHELEIN & SIMONS, 2019, p. 25). Além disso, foi nas escolas que muitos puderam ter acesso ao que antes estava destinado apenas aos “bem nascidos”, no caso, às aristocracias. Não deixa de incomodar os “donos do poder” que o poder chamado conhecimento possa ser democratizado. Parte da ira que hoje se verifica em relação à educação possui raízes milenares, por isso, também, é tão difícil quebrá-la. Essa ira, não raro, se manifesta, sorrateiramente, por meio das críticas presentes nos cinco pontos anteriormente trazidos. Com isso significa que algumas ideias que tais pontos destacaram não são verdadeiras? Até são verdadeiras, mas precisam ser vistas sob um olhar mais profundo, que não olha apenas a ponta do iceberg e que vá além de clichês.

          Quando eu me incomodava com o fato do magistério muitas vezes não ser visto como uma profissão séria, isso eu fazia em parte por causa do texto “Tabus acerca do magistério”, de Theodor Adorno, e em parte por causa de outros textos sobre história da educação. Esse incômodo se dá porque o professor trabalha com o tempo livre e porque, segundo Masschelein e Simons (2019), o professor está, parcialmente, situado fora da sociedade, ou melhor, o professor é alguém que trabalha em um mundo não produtivo ou, pelo menos, não imediatamente produtivo” (p. 31-32). Eis o paradoxo, que bem pode ser um clichê (do “tribunal econômico”): por mais que o magistério seja uma sementeira de profissões, é visto como “não imediatamente produtivo”.

          Quanto a eu me incomodar com várias temas presentes no currículo, talvez caibam algumas colocações e questões. A escola apresenta aos alunos um vastíssimo universo, e convida-os a “(...) se interessarem por ele” (MASSCHELEIN & SIMONS, 2019, p. 52). Esta exposição ao mundo às vezes nos agrada, às vezes não, mas está sempre além do que nossos gostos (ora chamados de talento) nos direcionam. Sabe-se lá ao certo o porquê, mas uns gostam mais de laranja, outros de manga, mas, nem por isso, só poderão comer essas frutas ou uma relação de cinco ou seis alimentos. O que é maior: o mundo ou o menino? O que nasceu primeiro: a maçã ou a menina? Talvez essas colocações e essas questões ajudem a superar o imediatismo tão problemático do “onde uso isso na minha vida?”. Questionar o currículo e a escola? Sim, mas com uma visão um pouco mais apurada.

 

Jan Masschelein & Maarten Simons. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2019.

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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