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Argentina 1985


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 26/01/2023
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Essa semana eu deveria dedicar a coluna a M3GAN, um filme de terror que despertou o interesse de muita gente e arrebatou a internet com seu trailer antes da estreia. No entanto, deixarei M3GAN para semana que vem e me dedicarei nessa edição a um filme que deveria ter tomado espaço aqui já faz um tempo, mas que foi guardado estrategicamente para esse momento. Essa semana, a Coluna Sétima Arte traz algumas considerações sobre Argentina 1985, um drama/suspense judicial baseado numa história real e que conquistou os críticos, o público e prêmios ao redor do mundo.

O primeiro ponto importante é: por que comentar sobre Argentina, 1985 apenas agora? O filme já está disponível no streming da Amazon Prime Video desde meados de outubro do ano passado. Chegou lá com exclusividade, pois nem passou pelos cinemas nacionais. Por isso, já faz tempo que ele poderia ter ganhado espaço aqui, mas não ganhou por uma questão de estratégia. Se eu tivesse comentado sobre ele antes, passaria despercebido, apenas como mais um bom filme argentino. Mas agora, ele é mais que isso. Há poucos dias ele ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e essa semana, na terça-feira, dia vinte e quatro, a produção foi indicada para o Oscar de Melhor Filme Internacional e tem grandes chances de levar a estatueta para casa.

Além disso, esse é o melhor momento para comentar sobre esse filme devido aos últimos acontecimentos dramáticos enfrentados em nosso país. Ao longo dos últimos anos o Brasil flertou com o fascismo, disseminou ideias, despertou o ódio e tudo isso chegou ao extremo durante a destruição dos prédios icônicos e históricos dos Três Poderes. Tudo num afã infundado de restaurar o famigerado regime ditatorial militar no país. A tentativa de golpe falhou, o sentimento fascista está, aos poucos, voltando para as sombras e os culpados, ao rigor da lei, mais cedo ou mais tarde serão punidos. Mas, mesmo assim, cabe um momento de reflexão, ou, no mínimo, de aprender com os erros dos outros. É nesse sentido que Argentina 1985 chega na melhor hora e é um filme urgente e necessário para ser visto!

O país vizinho vivenciou um período de ditadura militar muito menor do que brasileiro, que durou longuíssimos vinte anos. Na Argentina o golpe militar se deu em 1976 e durou até 1983, mas lá a face do fascismo foi mais terrível, sanguinária e assassina. Ao longo de seus sete anos, a ditadura argentina identificou como seu maior inimigo a subversão e deu início ao que ficou conhecido como “guerra suja”. Algo muito parecido com o que ocorreu por aqui durante os anos de chumbo. O “Terrorismo de Estado” da ditadura argentina instalou inúmeros campos de concentração ao redor do país e para lá enviou um imenso número de pessoas, dentre eles guerrilheiros, intelectuais, religiosos, operários, sindicalistas e muitos outros. Resultado, acredita-se que mais de trinta mil (30 mil) pessoas foram torturadas e mortas, com apoio de muita gente comum, pessoas de bem, pais de família, empresários e religiosos, durante a ditadura militar argentina.

A questão é: Será que os generais responsáveis por isso deveriam sair impunes ao final do Regime Ditatorial? Essa resposta é o que dá tom ao filme em questão essa semana.

Argentina 1985 traz de forma magistral o desenrolar do julgamento mais importante da República Argentina, o momento em que nove generais que estiveram à frente do governo ditatorial foram julgados pela justiça comum, não militar, por seus feitos devastadores contra os Direitos Humanos no país.

O filme foi dirigido por Santiago Mitre, que também assinou o roteiro ao lado de Mariano Llinás. Mitre exibiu ao longo de Argentina, 1985 toda a sua competência e sagacidade ao levar para tela de forma envolvente uma história triste, mas triunfante. O roteiro é extremamente enxuto, tudo o que está nele é absurdamente necessário e contribui ao máximo para que a história seja muito bem contada e completamente envolvente.

O trabalho técnico de Santiago Mitre salta aos olhos e está presente a todo momento. Sua escolha moderada, mas criativa para os ângulos de câmera chama a atenção desde o início do filme. Suas composições de cena nunca são um acaso, tudo o que está aparecendo na tela contribuiu para ajudar a contar a história, seja o ambiente familiar que numa sútil mudança de câmera foca numa parede desnuda e sóbria para mostrar a mudança no teor da conversa, ou as estantes abarrotadas de livros utilizadas como pano de fundo e que transpassam o conhecimento de quem está à frente. Fora isso, eventualmente o diretor escolhe como ângulo o chamado “plongée” ou ângulo de mergulho, aquele em que a câmera focaliza a pessoa de cima para baixo, o que dá ao expectador uma sensação de superioridade ou análise ao que se está apresentando.

Para além das sutilezas técnicas, o filme também encanta por dar dinamicidade aos acontecimentos. Não é fácil construir um filme em cima de um julgamento longo e ao mesmo tempo despertar no público sentimentos variados e profundos sobre o que está sendo julgado. O roteiro é assertivo ao dar ênfase apenas a alguns relatos e dentre eles, gerar em pouco tempo uma profunda empatia entre a testemunha e o público. Dessa forma, as atrocidades que as testemunhas estão contando são absorvidas e compartilhadas por quem está vendo. É o caso dos relatos de Adriana Calvo de Laborde, que despertam no expectador um misto de tristeza, dor e revolta.

Todas essas qualidades são potencializadas pelo elenco competente e brilhante, a começar pelo protagonista. Coube ao conhecido ator Ricardo Darín a missão de dar vida ao procurador Strassera, o homem que está à frente da missão homérica de julgar e garantir justiça contra o grupo de generais que já haviam se safado no tribunal militar. Darín já é um velho conhecido do público, eu me tornei seu fã desde que assisti ao filme Relatos Selvagens, de 2014 (fica aqui uma excelente dica para quem quer conhecer mais do cinema argentino). O jovem Luís Moreno Ocampo é o braço direito de Strassera na missão e é interpretado por Peter Lanzani, um ator que cresce muito ao longo do filme e que com certeza ganhará mais destaque em outras obras argentinas. Outros que merecem destaque são os atores que compõem o núcleo familiar de Strassera e que ajudam a humanizar seu personagem e sua história, principalmente Santiago Armas Estevarena, que interpreta o filho e Alejandra Flechner, esposa do procurador. Vamos à trama!

Alguns meses depois do fim da ditadura militar argentina, o governo democrático toma uma atitude corajosa ao buscar levar a julgamento os líderes das forças armadas responsáveis pela tortura e desaparecimento de milhares de pessoas. Para que isso ocorra o procurador Julio Strassera deverá reunir o maior número possível de provas para a acusação num curto período de apenas cinco meses. Diante da recusa da maioria dos profissionais para a realização do trabalho, ele irá contar com a ajuda de jovens inexperientes, mas cheios de esperança para que a justiça seja feita. A dedicação e a insistência no trabalho em meio a constantes ameaças de morte e contra suas famílias é o que garantirá a eles que o julgamento realmente aconteça.

Por que ver esse filme? A melhor resposta para essa é pergunta é um ditado bem popular: “porque recordar é viver! Argentina, 1985 é uma experiência cinematográfica e como tal deve ser apreciada com calma e, depois, deve ser pensada, refletida e discutida. Ainda mais agora, em tempos em que o Brasil precisa repensar a forma como compreende o fascismo e o seu olhar sobre o Regime Militar. Aproveite que esse grande filme está disponível na sua TV de casa e dedique um tempo a ele. Boa sessão!

 

Assista ao trailer:

 

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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