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Você já ouviu falar em racismo velado?


Por: Alessandra Macon
Data: 12/06/2020
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“Da união deles dois

Ficou resolvida a questão

E foi proclamada a escravidão (...)”

 

Esse é um trecho do “Samba do Crioulo Doido”, música satírica de Sergio Porto. A união a que ele se refere foi entre Anchieta e Dom Pedro, de como foi proclamada a escravidão no Brasil. No enredo da música, personagens e lugares foram usados de forma absurda para satirizar esse momento histórico no país. Desde então, a expressão “samba do crioulo doido” passou a ser usada para se referir a coisas sem sentido e sem nexo. 

Nos textos anteriores vimos que as palavras têm origem em línguas como o latim e o grego, das línguas dos imigrantes, como italiano, espanhol e galego, ou, ainda, palavras que surgiram em algum momento histórico e se mantiveram até os dias hoje. Nosso assunto hoje se refere às palavras e expressões que surgiram no Brasil, principalmente na época da escravidão.

Essas palavras ou expressões possuem, genuinamente, um racismo implícito, que ainda hoje são usadas, mas, muitas vezes, sem a intenção de serem racistas. Trouxe alguns exemplos e uma breve explicação de como surgiram. 

 Você já ouviu alguma criança pedir o lápis "cor de pele"? Ela quer um lápis de cor rosa claro ou bege, geralmente, o que não representa o tom de pele de todas as pessoas. Como professora, eu sempre respondo "cor da pele de quem?". Isso causa um espanto e eu concluo: se um Smurf pedir o lápis “cor de pele”, que cor ele quer? E se o Hulk pedir o lápis “cor de pele”? E o Bob Esponja ou um Minion? Logo, eles refletem sobre dar nomes às cores, já que as cores das peles podem ser inúmeras cores e depende de quem está pedindo.

Esse é um comportamento comum até mesmo com adultos, mas você já parou pra pensar que essa pode ser uma atitude racista que está inclusa na nossa língua? Claro que é bem provável que essas palavras sejam usadas sem a intenção de ser racista, mas, mesmo não sendo intencional, não podemos dizer que não é  - damos a isso o nome de racismo velado e esse racismo velado está presente em muitas palavras e expressões que temos em nosso idioma.

Quando alguém “denigre” outra pessoa, quando alguém está na sua “lista negra” ou quando dizemos que “a coisa tá preta”, estamos usamos termos que remetem ao negro como algo ruim. No caso de denegrir, essa palavra quer dizer "tornar negro ou escuro", o que é visto como algo ruim.

Quando alguém te diz que sente “inveja branca”, ela não sente uma inveja maldosa, não como quando a inveja é negra (você sente a diferença entre as duas "invejas"?). Comprar produtos do “mercado negro” é algo ilegal, impróprio, e também segue a mesma ideia racista das demais palavras.

Outra palavra que usamos sem essa intenção é a palavra “doméstica”; na época da escravidão, quando uma mulher negra trabalhava na casa de uma família branca era considerada domesticada, pois os escravos eram vistos como animais (por isso, inclusive, usavam castigos físicos para punir e “ensinar”). Ser a “ovelha negra da família” é algo bom?  E o que você imagina ser “magia negra”? É difícil não ver como o racismo está inserido nessas expressões.

Se algo está mal feito, dizemos que foi “feito nas coxas”. As telhas das casas, na época da escravidão, eram feitas e moldadas nas coxas dos escravos e, por terem os corpos diferentes, as telhas ficavam irregulares e não encaixavam direito umas nas outras. Por isso, diziam que foram mal feitas e essa expressão é usada até hoje para se referir a algo que foi feito de qualquer jeito ou de forma inadequada.

Todas essas expressões e muitas outras que existem são usadas sem o intuito de ser racista, mas, como já foi dito, não deixam de ser e isso é um racismo velado. Estamos passando a ideia de que tudo o que se remete ao negro é ruim, é errado ou ilegal. Se pararmos para pensar, essas expressões e palavras já estão fora de época, pois, hoje, sabemos o quanto o racismo é ruim e o quanto é difícil ter igualdade em um país como o nosso.

Em 2009, o professor Luiz Henrique Rosa fez um levantamento de 360 termos racistas presentes na nossa língua – isso só na escola onde leciona, no Rio de Janeiro. Dentre esses termos, estão “serviço de preto” ou “não sou tuas negas”, que dispensam explicação. Entre sutilezas e brincadeiras, muitas vezes essas expressões são usadas sem intensão, mas quando tomamos consciência do peso que elas têm, repensamos nosso modo de falar.

Curiosidade: os escravos que trabalhavam nas casas dos senhores não podiam falar nem fazer barulho, por isso eram chamados de criados mudos, daí o nome daquele móvel que fica ao lado da cama. Por esse motivo, algumas empresas de móveis já substituíram o nome por mesa de cabeceira, reconhecendo que criado mudo é uma expressão de cunho racista. 

Alessandra Macon


Anuncie com Jornal Noroeste
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