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“Disparo contra o sol

Sou forte, sou por acaso

Minha metralhadora cheia de mágoas”.

Cazuza em “O tempo não para”.

 

Umas das maiores poesia da música brasileira, “O tempo não para” foi cantada por Cazuza em 1988 no disco que levou o mesmo nome da canção. Na letra vemos um grito de desabafo do “Exagerado” poeta que protesta contra a situação do Brasil no final da década de oitenta.

Uma sociedade que vivia a contradição de se ver livre da ditadura, mas que permanecia moralista e conservadora, Cazuza “disparou seu tiro de canhão contra esse falso moralismo”. Mas, seu desabafo também diz respeito ao seu dilema pessoal.

Lutando contra uma doença que ele sabia que era mortal, Cazuza dispara sua “metralhadora cheia de mágoas” contra a trágica certeza de que sua morte era iminente. Mesmo com essa trágica certeza, ele diz na sua poesia que “mas se você achar que eu tô derrotado saiba que ainda estão rolando os dados porque o tempo, o tempo não para”. 

Afirmar que o tempo não para, pode parecer algo obvio, pois, todos percebem essa realidade, não é preciso ser poeta, filósofo, intelectual e nem mesmo ter a mente genial que Cazuza tinha para constatar tal fato. 

Mas é justamente isso que faz dessa canção uma verdadeira obra de arte, ela fala de questões obvias, porém, a obviedade é dita de uma forma poética, te causa a sensação de que você nunca havia pensado naquilo, mas é apenas o obvio, o tempo não para. 

O ápice da letra em minha opinião está na seguinte estrofe: “Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades. O tempo não para, não para, não. Não para”!

Pensar em “um museu de grandes novidades” ou no “futuro repetindo o passado”, me lembra da doutrina do “Eterno retorno do mesmo” desenvolvida pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). 

Nietzsche não acreditava em nenhuma espécie de vida após a morte, seja ela em um plano espiritual ou material. Mas ele defendia a ideia de que nossas atitudes e tomadas de decisão são escritas na eternidade. Se não existe nada além da morte, a única vida que teremos é essa, sendo assim, o que você fizer, a maneira como você escolher viver, isso será único. 

Se houver outra vida, será a mesma que já vivemos, nas palavras de Nietzsche: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem – e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!” Nietzsche, Gaia Ciência, §341. 

Independentemente se você crê na vida eterna, o pensamento de Nietzsche se choca com a afirmação feita por Cazuza, o futuro é a repetição do passado. 

Se a sua visão do mundo parte do principio de que no final da vida uma divindade vai aparecer e te julgar pelos seus atos e a maneira como você viveu, sua eternidade está comprometida, seu futuro será a consequência do passado, logo, podemos afirmar que é uma repetição do mesmo. 

Mas se você não acredita em vida eterna e acha que no fim seremos assolados pela aniquilação total, ou seja, não tem nada depois da morte, a única coisa de concreto e real que você tem é essa vida, logo, se ela voltar será da mesma maneira, o futuro repete o passado e o tempo, o tempo não para. 

 

Alison Henrique Moretti é Teólogo, acadêmico do curso de Licenciatura em Filosofia da Unipar e está se especializando em Filosofia Contemporânea pela Faculdade Estácio de Curitiba.

Alison Henrique Moretti


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