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De acordo com o senso comum, hedonismo é o mesmo que viver segundo o prazer ou viver realizando os meus desejos. Realmente, hoje o conceito de hedonismo está relacionado a essa breve descrição que fiz acima, mas nem sempre foi assim. 

O conceito de hedonismo passou por uma transformação radical desde que foi usado pela primeira vez na Grécia antiga. Hedone em grego antigo significa prazer. Mas a questão é: qual o conceito de prazer para um filosofo da Antiguidade Grega como Epicuro (341 a.C. - 270 a.C)?

De acordo com os gregos antigos, as paixões e os prazeres da vida eram considerados tormentos, ou seja, deveriam ser evitados. A ética grega buscava o repouso, a tranquilidade da alma, a ausência de paixões e desejos, isso era chamado de hedone. Segundo Platão (428 a.C. -347 a.C.), isso seria por possível por meio do uso e exercício da razão. Outra característica interessante do pensamento grego antigo é a respeito da “tragédia”. Isso também está relacionado com o “hedone”. A Tragédia Grega foi um dos gêneros teatrais (ou dramáticos) mais encenados durante a Grécia Antiga. E também é considerado o gênero teatral mais antigo. 

O fato é que os gregos valorizavam as “tragédias” da vida, eles acreditavam que as dificuldades poderiam moldar uma pessoa tornando-a mais forte. Aqui você vê a relação entre a valorização da tragédia e o hedone. Prazer é renunciar as paixões, e a dor te fortalece. 

Mas como o hedone passou a ser a busca insaciável pelo prazer e a dor algo indesejado?

A resposta está na distancia monstruosa existente entre o nosso conceito de prazer e o deles [os gregos antigos]. 

Os gregos antigos almejavam paz num mundo que era pautado por guerras, não que hoje as guerras não existam mais, mas, temos hoje um aumento exacerbado de demandas quando comparadas com as dos gregos antigos. 

O professor e Filosofo Brasileiro Luiz Felipe Pondé defende a ideia de que a riqueza material do nosso mundo nos condena ao crescimento alucinado de nossas necessidades e nossos desejos. Sendo assim, quando falamos de hedonismo hoje, estamos muito longe da origem do termo. 

Ainda de acordo com Pondé, a sociedade de mercado em que vivemos é sustentada num contínuo desejo insatisfeito, do contrario a economia para. Sendo assim, para que haja riqueza também é necessário que haja desejos. 

Em seu livro A Ética Romântica e o Espírito do Consumismo Moderno, Colin Campbell nos lembra de que a Revolução Industrial foi acompanhada por uma Revolução do Consumo. Ou seja, produzir mais implica consumir mais, sendo assim, a lista de desejos aumentam. 

Outro fator que contribui para essa mudança radical de conceito de prazer foi à ascensão do materialismo. O conceito de materialismo que estou usando aqui também vem do pensamento grego da Antiguidade. Ser materialista é acreditar que tudo é matéria, ou seja, não existe nada além daquilo que vemos e palpamos. Sendo assim, quanto ao hedonismo para nós, ele acabou por assumir uma ideia de ter uma vida pautada no aqui e no agora, haja vista que não existe nada no além-morte. 

Quando se acredita que tudo é matéria, a vida deve ser pautada nos prazeres, tais como: sexo, comida, bebida, viagens, consumo e coisas do tipo. 

A busca pelo prazer está relacionada ao nosso senso de significado, o que ou quem somos. Muitas pessoas encontram o significado da vida quando experimentam os prazeres oferecidos por ela. 

Com o surgimento da modernidade, filósofos como René Descartes (1596-1650) e John Locke (1632-1704) acreditavam que a essência humana fosse à razão: os seres humanos são diferentes dos animais porque pensam. Por meio da razão as pessoas poderiam criar um mundo melhor e significativo, mas isso não é novidade, Platão já dizia a mesma coisa muito antes de Descartes e Locke. 

Outros pensadores como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), discordaram dessa ideia. Para eles, aquilo que torna o ser humano diferente dos animais e que dá significado a vida é a capacidade de experimentá-la. Nem preciso dizer qual pensamento prevalece nos nossos dias. 

Como experimentar a vida é o mesmo que atribuir-lhe significado, vivemos numa busca exacerbada pelo prazer, pois, todos querem dar um significado para a vida. Na esteira desse raciocínio a dor ou o sofrimento é visto como algo negativo, diferente dos gregos, nós, pós-modernos, repudiamos a “tragédia”. Não existe sentido no sofrimento, viver mesmo é ir ao shopping center e consumir. 

A busca pelo prazer através do consumo de mercadorias e serviços tornou-se o valor cultural dominante da pós-modernidade. O consumismo oferece às pessoas significado por meio da compra e da vida confortável em um mundo no qual se sentem cada vez mais sem sentido, insignificantes e irreais. 

Eugene Peterson observa que as pessoas “vivem em um grande shopping center, indo de loja em loja, gastando somas enormes de energia e fazendo infinitas viagens para atender primeiro esta necessidade e aquele apetite, este capricho e aquela fantasia”. A vida passa de uma satisfação particular para outra, interrompida por fossos de decepção. O movimento é estimulado pela ilusão de que comprar determinado produto ou experimentar determinado prazer determinará o centro da vida e lhe dará significado. 

Para onde caminha essa sociedade hedonista e consumista? Difícil dizer, mas os prazeres da vida não podem responder aos anseios mais profundos do coração humano, porque a satisfação que eles oferecem é passageira e ilusória. E isso nos leva a outra característica da sociedade pós-moderna, a Cultura do Efêmero, mas isso é assunto para outro artigo. 

Alison Henrique Moretti


Anuncie com Jornal Noroeste
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