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A SURPRESA DA GRAÇA: A Festa de Babete


Por: Luciano Rocha Guimarães
Data: 14/03/2022
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Ao ler um livro de um conhecido autor norte-americano onde retratava cenas de um antigo filme, fiquei impelido a assisti-lo. Apesar de ser antigo, fui à locadora e o encontrei. É isso mesmo que você leu: locadora. Uma loja onde as pessoas alugavam filmes em vídeo cassete que hoje não existe mais. O filme, “A Festa de Babete”, narra os legalismos impostos por uma seita luterana do século XIX, gerando cristãos frios, aborrecidos, sem cor e brilho algum. Eram figuras patéticas que dia após dia empurravam com hinos sua triste sina de viver com raiva deste mundo.

Cumprindo seu ritual imposto pelo austero pastor, alimentavam-se apenas de um tipo de sopa de pão, pois pensavam que quanto menos valorizassem o prazer e seus deleites, mesmo que sendo legítimos, mais se aproximavam do ideal de Deus. Pelo menos era isso em que acreditavam. Seus rostos refletiam seus estômagos: encarquilhados, desfigurados e magros devido à falta de alimento (ou será falta de alegria?). Até que naquela pequena vila chegou Babete, uma excelente e renomada cozinheira francesa, buscando refúgio da revolução que ocorrera em seu país.

Por ocasião do centenário do saudoso pastor, Babete se dispõe a preparar um delicioso banquete digno de reis e rainhas, provocando um escândalo na reduzida comunidade. Todo artista precisa expressar sua arte. Para isso, ela utilizou-se do dinheiro que havia ganhado numa loteria. Ninguém pagaria nada pelo magnífico banquete. Um gesto de puro amor e generosidade de Babete para com a comunidade. Contudo, um estranho trato foi combinado entre eles: “Vamos comer, mas não sentiremos gosto algum, nem faremos qualquer comentário, pois é o espírito que importa”, retrucaram os austeros moradores. Tão logo iniciou o banquete um poderoso sentido os denunciou. O paladar é um poder que não pode ser domesticado. Rebelde por natureza, nem tomou conhecimento do trato. A cada garfada uma expressão de prazer, embora velada: uma reviravolta dos olhos, uma expressão no canto dos lábios, um gesto de aprovação com a cabeça.

Ao redor das variadas e deslumbrantes iguarias o milagre ocorreu. Aos poucos, aqueles aldeianos petrificados pela religião começaram a esboçar novas feições. O sopro do amor gracioso se fez presente. Um sorriso ligeiro brotava aqui a ali. Comentários sobre a beleza da vida e do cotidiano natural desabrochavam. Feições se tornaram mais leves e sorridentes. Até um beijo da esposa (coisa mais imoral!) foi roubado pelo marido, coisa que há mais de quarenta anos não ocorria. A vida entrara ali novamente, como cigarras saindo da casca há muito presas nas árvores. E a beleza foi surgindo devagar. Passo a passo. Um dos convivas, sem poder se conter, levantou-se com o copo na mão e pronunciou um discurso de gratidão, celebrando a graça que não exige nada em troca. Ela é ofertada por puro amor que não cobra débitos nem créditos, que é capaz de penetrar na mais dura couraça da frieza e da indiferença.

Ao fim do jantar duas cenas no filme me chamaram a atenção. A primeira foi no pátio da casa onde Babete serviu sua obra prima. Todos os convidados deram as mãos e se abençoaram mutuamente, cantando o mesmo hino que sempre cantavam, mas agora de outra forma, com o coração tomado pela alegria. A outra cena se deu na cozinha. “Babete, quando você partirá para recomeçar sua vida na França, agora que recebeu o prêmio da loteria?”, indagou sua patroa. “Eu não irei mais”, respondeu Babete, “todo o meu dinheiro foi gasto com este jantar.” Um presente que custou tudo para o doador e nada para quem o recebeu.

Aquela comunidade foi surpreendida pela graça de Deus durante um jantar. Deus, descobri, é assim mesmo. Deu-nos tudo sem nos pedir nada em troca. Ofereceu sua maior riqueza, Cristo, para morrer em nosso lugar. Agiu quando tudo parecia perdido, e ainda age onde menos esperamos. “O vento sopra onde quer”, já nos avisou Jesus. Ele nos agracia utilizando as mais variadas formas, e até mesmo as mais inesperadas como um delicioso jantar francês. Pena que muitos ainda não conseguiram sentir o seu sabor.

Luciano Rocha Guimarães


Anuncie com Jornal Noroeste
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