O tecido é costurado com linha, arte e inteligência
O livro Diário de um Docente[1], do amigo Felipe Figueira, foi um marco, não por eu também ser docente, mas por entender que grandes escritas saem da simplicidade cotidiana. Em Perguntas de um Operário Letrado, Bertolt Brecht[2] ressalta que grandes conquistas foram ganhas pela multidão de homens pequenos, não por quem tem seu nome escrito nos livros de História.
Você pode estar se questionando:
? Qual a relação entre o narrado nesse primeiro parágrafo e o tecido que é costurado com linha, arte e inteligência?
Lhes garanto que é intrínseca, muito intrínseca. Entretanto não andarei pelos caminhos da moda, nem direi que os majestosos desfiles e as caríssimas modelos são “costuradas” e maquiadas por mãos desconhecidas. Apenas quero alinhar minha percepção do livro citado com o Bertolt: grande obra à mão miúda.
No começo do livro, o professor Felipe fala sobre a ideia que alguns têm de que costurar é realizado por pessoas que não estudaram, de inteligência parca, fracas em entendimento. Espero que aqui caiba a expressão “ledo engano”. E torço para que quem congrace com a ideia de que costurar é para iletrados, o faça como engano, apenas engano.
Bom, já chega de lero-lero e vamos ao que interessa e me enche de prazer. Viajar no tempo e me reencontrar infante, vendo Mainha pedalar na máquina de costura, ora remendando os shorts surrados, ora emendando tecidos para formar uma linda colcha, ou ainda, costurando as roupas que me enfeitavam nos domingos eclesiásticos.
Ninguém sabia o quão eclésia seria minha vida. Se soubessem...
Incontestavelmente, posso afirmar que a costura sempre exerceu um fascínio sobre mim. Talvez por isso, depois de adulta, voltei a brincar com ela.
Enquanto o pedal subia e descia, fazendo nós e atando os tecidos uns aos outros, eu, que não podia perguntar nada, mexia no sagrado saco de retalhos e escolhia aqueles que viriam a ser calças, blusas e saias das minhas bonecas. Era um momento criativo.
Contrariando o citado por Figueira, a costura exigia concentração total e Mainha não gostava de ser interrompida enquanto revolvia os tecidos. Caso acontecesse, talvez a tesoura se embrenhasse por outra reta, adeus roupa, dinheiro jogado fora. Não podia se dar ao luxo de perder uma nesga sequer.
Elucidando: o coser não se faz apenas com linha e tecido. É necessário um conhecimento matemático grande, muito grande, grandessíssimo.
Voltando ao agora, agosto de dois mil e vinte e quatro, quando recebo um casal de amigos aqui em casa. O único que teve disposição amazônica para cruzar o Amazonas e pousar no lavrado roraimense, me desafiei a fazer algo que embelezasse um pouco meu lar. Não sou chegada a tapetes, lustres e outros bibelôs.
Resolvi fazer uma toalha de retalhos. Foi um trabalho madrugueiro. A sol ainda posto, tendo um dia exaustivo de trabalho pela frente, me levantava e me sentava à máquina. A ideia era fazer uma toalha no formato da mesa: "octogonal”.
E fiz.
Sem medo de parecer prepotente, posso afirmar:
? Foi feita com tecido, linha, arte e inteligência.
Entre o tecido central com oito ângulos perfeitos e um viés arrematando o final, foram muitos cortes, recortes e emendas de pontos que faziam as retas inclinadas ficarem perfeitamente encaixadas no pano plano.
Eis o resultado:
Toalha de mesa com recortes octogonais |
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