A generic square placeholder image with rounded corners in a figure.


Uma camisa do Vitória para Márcia


Por: Jacilene Cruz
Data: 07/10/2024
  • Compartilhar:

O mundo dos sonhos é sempre misterioso, mesmo que muitos estudos já existam, sempre nos vemos envoltos numa penumbra entre o fantástico e o real. Eu, por exemplo, já me vi envolvida em tramas tão realistas que custo a acreditar que foram apenas pensamentos de quando estava adormecida.   

Um dia desses, melhor dizendo, uma noite dessas, me vi obrigada a levantar da cama, entre consciente e inconsciente, e rabiscar, literalmente rabiscar, pedaços de um sonho, para transformá-lo em escrita. Vamos a ele.

Tenho uma amiga chamada Márcia, que tem o nome salvo no meu celular como “Márcia Recife”. Sem explicação, né?! Pernambucana raiz, frevista fervorosa e cheia de vida. Alegra o caminho por onde vai.

No sonhado, eu lhe dava uma camisa do Vitória, o Leão da Barra tradição, o vermelho e preto paixão, meu time de coração. Pois é, dei uma camisa do rubro-negro baiano para ela, que torce para o Santinha, Cobra-coral de carteirinha. Que sacrilégio!

Quando acordei definitivamente, ciente que tinha anotado algo, fui lê-lo para não perder o fio da meada. Pensando melhor, percebi que nada tinha de futebolístico. Na verdade, eu estava levantando uma bandeira branca, pedindo paz[1].

O fato é que corre em boca miúda que Bahia e Pernambuco não se entendem muito bem. Corre em boca mais miúda ainda que baiano não quer ser nordestino. Precisamos (re)ver essas historinhas.

Duas culturas tão ricas e resistentes são, de verdade, vítimas de uma história geográfica que deu início a uma rivalidade sem pé nem cabeça. Fundamentada na arbitrariedade imperante e condescendência geográfica. Deixando os “arrudeios” de lado, vamos ao que interessa.

Primeiro, durante o período de oficial colonização, houve algumas tentativas de independência, de rompimento com o coroa e a coroa. Lá pelas bandas da Veneza brasileira começou uma conversa sobre emancipação. Já estava na hora do não mais adolescente torrão pernambucano, cuidar sozinho da própria vida.

Só que o primeiro Dom Pedro, zangado, impiedosamente decretou:

? Nananinanão.  

Dessa forma, pegou um pedação das terras de Pernambuco, jogou pra lá, jogou pra cá, como se fosse uma bola de futebol. E sem saber o que fazer, só de pirraça, disse assim para a Bahia:

? Pega que a bola é tua!

Dessa forma, cerca de 60%[2] do estado, que em tupi-guarani significa "furo que o mar faz", virou território baiano.

Isso não foi legal. Os frevistas até podiam ouvir os tambores fazendo festa.

Vejam com os olhos que a terra há de comer:

 

O tamanhão que era Pernambuco

O tamanhinho que ficou


Fontes respectivamente : https://static.todamateria.com.br/upload/di/vi/divisaoregional1822.jpg e

https://brasilescola.uol.com.br/brasil/regiao-nordeste.htm

 

Essa história é pouco contada. Eu, baiana radical, não estudei isso na escola. Por que será? O certo é que, entre os dois estados, nada ficou como antes no quartel de Abrantes.

Vamos ao segundo “problema geográfico”. Como se o primeiro não tivesse sido suficiente para inflamar os ânimos.

As regiões do Brasil nem sempre tiveram essa performance. De 1500 aos dias atuais, foram muitas configurações, mas para não encompridar muito, vamos atentar apenas para as de depois de 1900.

Nós, conterrâneos de Gil, Margareth, Painho e Mainha, primeiro, fomos orientais (mas nada de olhos puxados); estinos (junto com Sergipe e Espírito Santo); lestinos (com Sergipe, Minas, Espírito Santo e Rio de Janeiro – que nem sei se era lindo). Por fim, em 1970, a Bahia se separou dos lestinos e se incorporou ao Nordeste, carregando Sergipe junto. Ou seria o contrário?

O que quero dizer é que a Boa Terra e o seu vasto entorno foi errante por muito tempo. Era e já não era. Pertence e não pertence. Vivia pra um, morria pra outro. Demorou a entrar na cabeça que agora não iria mudar, poderia se assumir Nordeste, sem medo.

Mentira? Não! Quem tem olhos para ver, veja:

 

Evolução da divisão regional do Brasil


Fonte: https://www.todamateria.com.br/divisao-regional-do-brasil/  e   https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/19383-dividir-para-conhecer-as-diversas-divisoes-regionais-do-brasil

 

Não é à toa que a Bahia, por vezes, se sente um estado independente. Perdidona, coitada, foi a última a entrar no ônibus rumo ao Nordeste. Não é que não quer ser nordestina, agora é que se dá conta que é.

Mas já deu, né?! Chega! O que passou, passou. Não sem tempo, é hora de unir, mais do que nunca, esses povos, suas paixões e cultura, conservando a identidade de cada um.

Nesse caso, Márcia, mesmo você vestindo a camisa do Vitória, a sua torcida apaixonada pelo Santinha, nunca morrerá. Afinal o sonho terminava com a frase:

?Tudo que eu queria era o teu abraço.



[1] Referência a marchinha Bandeira Branca escrita por Laércio Alves e Max Nunes. Imortalizada na voz de Dalva de Oliveira.

[2] Em 1823, D. Pedro I, revoltado com as revoltas nordestinas por independência, puniu Pernambuco onde ocorreu além da revolta de 1817, a revolução do Equador, com a perda da Comarca de São Francisco, região que faz divisa com Goiás, Minas Gerais e Piauí.

Jacilene Cruz


Anuncie com Jornal Noroeste
A caption for the above image.


Veja Também


smartphone

Acesse o melhor conteúdo jornalístico da região através do seu dispositivos, tablets, celulares e televisores.