O fruto do meu pecado
Como no título desse texto tem a palavra fruto, antes de começar a escrita, fui saber a diferença entre o masculino e o feminino dessas poucas letras juntas. E não é que fiquei encantada? Olha como Helivânia Santos[1] definiu:
“O fruto é o ovário maduro da flor [...]”. Creio que associei o conceito dado por Santos ao que cantaram Sá e Guarabira: “[...] Difícil é viver longe desse teu cheiro mineiro de flor[2] [...]”, por isso me pareceu tão musicalmente poético e encantador.
E antes que você me pergunte para que serviu ir atrás da diferença, respondo. Mesmo que para a botânica, fruta não tenha significado, usarei os dois vocábulos como sinônimos e ponto.
Estabelecido esse contrato de sinonímia, para não perder o hábito, vou voltar a minha frutífera infância e dizer que passei alguns anos sonhando em comer maçã.
-Talvez a religião tenha um pouco de culpa dessa vontade.
Lá no interior do interior da Bahia, no sítio onde nasci, morava América, para Mainha, era Dindinha, para nós, tia Merca. Ela dizia que tinha um pé de maçã entre as plantas e arbustos que ladeavam sua casa simples de chão batido. Para minha tristeza, do famoso arbusto, nunca brotou uma maçãzinha sequer.
- Talvez tia Merca também tenha culpa do meu infrutífero querer.
Em um tempo em que os supermercados ainda não tinham cooptados para si o direito de vender frutas e verduras, encontrávamos esses itens nas feiras livres. Painho vendia as doces laranjas apenas no sábado, mas me lembro de que algumas barracas funcionavam a semana toda.
A do Zé Antônio era uma das que mantinha a lona levantada todos os dias que terminavam em feira, além do sábado. E de lá rescendia o aroma daquela fruta envolta em papel de seda azul que me acendia a fome.
- Teria sido Zé Antônio responsável pelo meu aromático desejo?
Não foi pelo avermelhado e pequeno fruto que preencheu as linhas até aqui, que eu, mantendo-me nas alegorias religiosas, cometi o faminto pecado. Aliás, assim como o carnudo e delicioso caju, a maçã é pseudo. Fruto mesmo é aquela parte que fica mais próxima da semente.
Nunca foi uma regra formalmente estabelecida, mas lá por casa, só comíamos as frutas que nasciam no nosso terreno. Maçã era item de luxo, mesmo depois de já tê-la experimentado, por mais que a barraca de Zé Antônio ficasse aberta seis dias por semana, não dava para comprar.
Na verdade, éramos ricos em árvores frutíferas: mangas, jambo, laranjas diversas (até as de Tânger[3]), goiaba, araçá, acerola e tantas outras. No meio dessas outras está o fruto que congraça, solidariza e é genero: a jaca.
Primeiro, é um fruto que nasce no tronco, como a jabuticaba, mas muito maior. Maior mesmo – é um dos maiores que existe, podendo chegar a 60 centímetros e pesar 35 quilos. Para vocês terem ideia, às vezes é necessária uma corda amarrada no pedúnculo (aquela haste que gruda a fruta no caule) para o frutão descer. Ação que exige, no mínimo, duas pessoas – congraçamento e solidariedade.
Segundo, alimenta várias pessoas ao mesmo tempo – congraçamento e solidariedade novamente – sem contar que comer jaca é divertido, quem nunca brincou de colar as mãos espalmadas ou os lábios visguentos?
Terceiro, é popular, o fruto de casca pontuda ajuda na renda de pequenos agricultores, pois seu cultivo não exige grandes cuidados e, depois de adulta, a jaqueira oferece uma sombra muito generosa.
A jaca não é fruto, mas um conjunto deles. Transcende o espaço, tem polpa densa que sacia a fome e traz muitos benefícios para corpo. Possui as vitaminas A, C e do complexo B, fibras e potássio. Ainda é rica em magnésio, previne a anemia e mantem da pele saudável[4].
Passei anos desejando maçã e achei que esse tinha sido meu delito, mal sabia eu sem noção de tamanha grandeza, que comer uma jaca sozinha foi meu pecado.
Jaqueira com fruto

Jaca aberta – cada gomo - uma semente

Fonte: https://natacaopotiguar.blogspot.com/2020/10/jaca-engorda.html |
[1] Helivania Sardinha dos Santos – Diferença entre fruta e fruto. Disponível em https://www.biologianet.com/curiosidades-biologia/diferenca-entre-fruta-e-fruto.htm.
[2] Sá & Guarabyra - Cheiro Mineiro de Flor. Disponível em https://www.letras.mus.br/sa-guarabyra/480791/.
[3] Cidade no Norte de Marrocos de onde vem o nome tangerina.
[4] Informações disponíveis em https://www.agro20.com.br/jaca/