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Sagrado Acadêmico


Por: Especial para JN
Data: 06/06/2024
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Filosofia e Fé cristã na obra Apologia I de São Justino Mártir[1]

 

Daniel Lima[2]

Matheus Henrique[3]

Nicole Tomaz Aguera[4]

 

“[Justino] apareceu em público em seu próprio nome e não trabalhou mais, como os professores cristãos primitivos, dentro da comunidade religiosa, mas dentro da nova estrutura sociológica de uma 'escola' filosófica privada. Ele e seus alunos foram atraídos para a luta competitiva habitual das escolas e facções filosóficas.”

 

— Hans von Campenhausen (1903-1989), historiador e teólogo, autor de Os Pais da Igreja – a vida e a doutrina dos primeiros teólogos cristãos (2007).

 

As origens da relação direta entre a Filosofia e o Cristianismo podem ser mapeadas a partir do desenvolvimento de uma classe de indivíduos que criam na pessoa histórica de Jesus Cristo[5] e eram chamados de “pais apologistas”.

Os apologistas (?πολογητικ?ς) cristãos surgiram entre o século II e III d.C. e, dentre eles, podemos destacar o filósofo latino e mártir cristão Justino de Nablus (100 d.C. - 165 d.C.). Após a sua dramática conversão ao cristianismo, Justino se tornou um dos principais apologistas, utilizando muitas vezes argumentos filosóficos no combate intelectual contra as acusações políticas e religiosas de gregos, judeus e romanos daquela época.

(Fotos: Divugação) Aluno da 2ª série 2 do Ensino Médio do Colégio Sagrado Coração de Jesus - Daniel Lima

Uma das possíveis acusações era de que os cristãos estavam criando uma nova doutrina que desprezava completamente as grandes descobertas filosóficas do passado. Como podem os cristãos afirmar que Cristo é o único caminho, a verdade e a fonte da vida? E quanto às verdades das outras culturas do passado?  E quanto os demais caminhos? Seriam os cristãos avessos às conquistas da filosofia e às descobertas da razão?

Para responder a alguns desses questionamentos foi que Justino desenvolveu sua obra Apologia I, escrita entre 147 e 161 d.C., dirigida especialmente ao imperador romano da época “(...) Tito Élio Adriano Antonino Pio César Augusto, ao seu filho Veríssimo, filósofo, a Lúcio, filho natural do César Augusto, ao seu filho adotivo de Pio, amante do saber, ao sacro Senado e a todo o povo romano, em prol dos homens de qualquer raça que são injustamente odiados e caluniados, eu, Justino, um deles, filho de Prisco, que o foi de Báquio, natural de Flávia Neápolis, na Siris Palestina, compus este discurso e esta petição".

Aluno da 2ª série 2 do Ensino Médio do Colégio Sagrado Coração de Jesus - Matheus Henrique

Na obra, Justino estabelece dois importantes conceitos que buscam representar a relação entre a revelação divina em Cristo e a revelação pré-cristã, buscando uma sinapse entre a teologia cristã e a filosofia grega e romana: : o Logos Seminal (Spermatikos) e o Logos Integral.

A ideia de Logos de Justino certamente veio de seu conhecimento da filosofia de Heráclito e de Platão, que viam no Logos (razão, verbo, palavra, ou discurso), uma força ou entidade cósmica que controla o universo; uma ordem fundamental que permeia toda a realidade e fornece a estrutura inteligível e racional do mundo e dos seres humanos.

Mas, na visão de Justino, essa entidade cósmica é uma pessoa: Jesus Cristo. O Logos é, como dito no Evangelho de João (Jo 1.1-3), a pessoa de Jesus de Nazaré, a manifestação da Palavra divina em forma humana. Jesus é o Logos encarnado no tempo e na história e por meio dele apenas, a humanidade pode compreender plenamente a verdade e alcançar a salvação.

Aluna da 2ª série 2 do Ensino Médio do Colégio Sagrado Coração de Jesus - Nicole Tomaz Aguerra

Todavia, isso não significa que não haja verdades antes da encarnação de Cristo, pois sendo o Logos um ser Eterno, ele sempre existiu, distribuindo suas sementes de verdade (logos spermatikos/ razão seminal) em muitas culturas e filosofias do passado que, em muitos pontos, discursaram harmonicamente com a fé cristã de Justino.

Portanto, Justino argumenta que os cristãos devem se apropriar beneficamente das ideias de muitos filósofos, poetas e prosadores e lê-los com apreço enquanto indivíduos que participaram do Logos, ainda que em parte. Nas palavras de Justino:

“Não porque as doutrinas de Platão sejam contrárias às doutrinas de Cristo, mas porque não são, em todos os seus aspectos, como as doutrinas de Cristo. E assim acontece com os ensinamentos dos demais estoicos, poetas e prosadores. Em todos que corretamente discursaram percebemos que os pontos que se harmonizam com o cristianismo se devem à participação de suas mentes com a razão seminal de Deus (...) tudo quanto, por algum homem, em algum lugar, foi opinado acertadamente, pertence a nós, cristãos.” (Justino, Apologia I.XLVI. In BETTENSON, 2001, p. 32).

Essa “razão seminal” é a presença do Logos Eterno dentro de todas as culturas e filosofias, mesmo antes da vinda de Cristo, dando condições para que, por meio da razão, a humanidade fosse capaz de encontrar a verdade.

Justino argumenta que assim como uma semente contém o potencial para crescer e se tornar em uma árvore, as verdades contidas nas filosofias são como sementes distribuídas pelo Logos, com um potencial de crescerem e se aproximarem da verdade da revelação integral (Logos integral) e completa contida na vida, ensino e obras de Jesus Cristo, o Logos encarnado.

Em suma, o escrito Apologia I de Justino Mártir apresenta uma visão positiva da filosofia grega e romana que incentiva os cristãos a buscarem desenvolver um apreço sério e genuíno pelos escritos não-cristãos.

Esse modo de interpretação de Justino permitiu a ele e aos cristãos de seu tempo valorizarem os estudos filosóficos, determinado um importante lugar da cultura secular na piedade primitiva. Como sementes de Cristo, as verdades filosóficas da cultura precisavam ser utilizadas pelos cristãos sem nenhum receio em sua educação e aprimoramento intelectual.

Essa capacidade tão singular de Justino tem feito com que muitos pesquisadores o reconheçam como um pioneiro na elaboração de uma educação cristã que defende um ensino bíblico e confessional e ao mesmo tempo valoriza e usa o que é de bom, belo, verdadeiro, útil e proveitoso na cultura não-cristã, como muitas instituições cristãs de educação básica e superior têm feito atualmente.

 



[1] Resultado do Trabalho Científico apresentado para Avaliação Formativa de Filosofia do 1º Semestre.

[2] Aluno da 2ª série 2 do Ensino Médio do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

[3] Aluno da 2ª série 2 do Ensino Médio do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

[4] Aluna da 2ª série 2 do Ensino Médio do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

[5]“Do ponto de vista histórico, Jesus foi um judeu da Galileia que provavelmente nasceu em Nazaré. Foi certamente ali que ele viveu por cerca de trinta anos, até a época de seu batismo por João (Lc 2:23). Foi batizado em 27/28 d.C. ou em 28/29 d.C.. É mais difícil determinar a duração de seu ministério público, especificamente, o período entre seu batismo e crucificação. Com base nos três primeiros Evangelhos, parece que este período não se estendeu a mais do que um ano.” (FLUSSER, David. Jesus. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 9)


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