A generic square placeholder image with rounded corners in a figure.


O desideruim aeternitates: a imortalidade entre a psicanálise e a fé cristã a partir das ideias de Freud e Lewis


Por: Especial para JN
Data: 27/05/2025
  • Compartilhar:

Por Júlia Marylia Pettenazzi[1]

Foto: Divulgação

“No inconsciente, cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade.”

– Freud, Sigmund. Beyond the Pleasure Principle, Standard Edition, Volume 18, p. 38.


 “Se descubro em mim um desejo que nenhuma experiência deste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui feito para outro mundo.”

– Lewis, C. Cristianismo Puro e Simples, Thomas Nelson Brasil.

 

Qual o sentido da vida, o que é a morte e para onde vamos depois da morte? Estas são, inegavelmente, grandes e profundas indagações da humanidade e também os grandes temas da filosofia desde seus primórdios. Trata-se de questionamentos que escapam a um senso comum. Afinal, seria o propósito da vida a própria destinação à morte? Ou haveria algo além dela? Por que desejamos superar a morte?

Essas perguntas foram propostas neste semestre pelo Educador Fernando Razente, que, nas aulas de Filosofia e Cultura Religiosa, nos levou a refletir, de forma racional e lógica, sobre uma das experiências mais comuns da humanidade: a morte. Além disso, refletimos sobre a origem do desejo humano em superar essa morte, o que os latinos chamavam de desiderium aeternitates [anseio pela eternidade/imortalidade].

Esse desejo é bem retratado no filme O Sétimo Selo – filme que assistimos em Sala de Aula – ambientado na Europa medieval durante a Peste Negra. Nele, o cavaleiro Antonius Block tenta adiar sua morte jogando xadrez com a própria Morte, simbolizando o desejo humano pela permanência; pela eternidade! Mas qual a origem desse desejo por uma condição eternal de existência?

Para responder essas perguntas, após as aulas fui incentivada a desenvolver minhas reflexões a partir de dois autores antagônicos, que tratam sobre a morte e o desejo pela imortalidade.  O psicanalista Sigmund Freud (1856-1939) e o intelectual cristão C. S. Lewis (1898-1963). A partir da leitura do livro Deus em Questão (edição em portugês de 2005), escrito por Armand M. Nicholi Jr. (1927-2017), professor da Universidade de Harvard.

Foi especialmente no capítulo 9, onde conhecer uma série de posicionamentos e hipóteses formuladas pelos dois autores sobre a causa e a realidade da morte e como lidar filosoficamente com o anseio humano por imortalidade. Antes de tudo, é importante mencionar que Freud foi um ateu naturalista convicto. Por outro lado Lewis começou como um ateu materialista, mas que se converteu ao cristianismo, e se tornou um grande apologista da fé.

Freud, como um materialista, parte do princípio que a morte nada mais é que um resultado de combinações bioquímicas, mas que influenciam a nossa mente ou psique. Sabendo que a maioria das pessoas não desejam morrer, elas também não desejam pensar na própria finitude, elas preferem restringir a mente à ilusão de uma permanência material. Isso ocorre no inconsciente. Freud aponta que “(...) nosso inconsciente, então, não acredita na própria morte; ele se comporta como se fosse imortal” (Cf. Deus em Questão, p. 231). Há no inconsciente, segundo Freud, um desejo de permanência, de imortalidade podemos dizer. Mas que tal desejo é uma ilusão. A morte, para Freud, é algo natural, inegociável e deve ser aceita como parte da vida material. Pensar em eternidade é uma anomalia.

Já para Lewis, a morte não é natural, mas antinatural, resultado da queda de Adão e da entrada do pecado no mundo. As coisas não deveriam ser assim, esse não é o estado natural das coisas, mas um resultado circunstancial do pecado. Mas como um sobrenaturalista ou metafísico, Lewis argumenta a partir da fé, defendendo a realidade de uma vida após a morte, o que daria sentido para o pensamento e o desejo pela eternidade.

Para ele, a morte é resultado do pecado, mas ao mesmo tempo uma passagem para a realidade supratemporal, onde a existência eterna da alma vai ao reencontro com o Ser Divino. Daí, para Lewis, a alma ter – nesta vida – desejo pela imortalidade e superar a morte, pois ela é, em essência, imortal e feita por Deus e para Deus. Ela é imortal pois foi criada por um ser imortal que comunicou tal atributo à humanidade.

Voltando a Freud, como naturalista e profundamente influenciado por Charles Darwin (1809-1882), autor da obra A Origem das Espécies (1859), entendia que a imortalidade é um desejo resultante do instinto humano por sobrevivência e manutenção da homeostase, combatendo ameaças externas. Ou seja, a imortalidade é uma ilusão, um desejo não passível de realização, um subproduto psicológico de um instinto por sobrevivência no mundo dos mais aptos.

Já do ponto de vista teológico de Lewis, o anseio pela eternidade no coração humano é visto como algo divinamente implantado, algo real e estrutura, fundado naquilo que os teólogos, como São Tomás de Aquino (1225-1274), chamam de essentia – aquilo que se refere à natureza ou forma intrínseca de uma coisa, que define o que ela é – da humanidade.

Em Eclesiastes 3:11, lemos que Deus “(...) pôs a eternidade no coração do homem”, isto é, o senso de eternidade; e tal senso, segundo Lewis, ultrapassa as experiências de satisfação terrenas e aponta para uma realidade mais ampla e duradoura, a realidade eterna: “Se descubro em mim um desejo que nenhuma experiência deste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui feito para outro mundo.”, escreveu Lewis.

Em outras palavras, o desejo por imortalidade é um indicativo da criaturidade do ser humano à imagem e semelhança de Deus, e sua dependência do Deus eterno, sendo a morte causada pelo pecado, uma espécie de espora incômoda, que atiça esse senso e nos direciona novamente ao Criador.

Portanto, a discussão entre Lewis e Freud sobre a morte retrocede à discussão sobre a essência humana e o desejo pela imortalidade e eternidade. Temos duas posições: Se o homem é só um animal evoluído no processo natural – naturalismo evolutivo – o desejo pela eternidade se reduz ao mero instinto de sobrevivência, sendo a eternidade uma mera ilusão desse instinto; mas se o homem é um ser essencialmente espiritual, criado à imagem e semelhança do Deus eterno – metafísica cristã – seu desejo pela eternidade é real, e corresponde ao fim último de sua existência: a comunhão eterna com Deus.

A morte – para o naturalismo – é vista como algo natural e deve ser encarada como o fim da existência de um ser; mas para um sobrenaturalista a morte é antinatural, resultado do pecado e da separação entre Deus e humanidade. Mas tal separação e condenação eterna é superada pela fé nos méritos de Cristo e arrependimento de vida, que reconduz o ser humano a comunhão eterna com Deus, mesmo após a morte, pois como prometeu Cristo: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá;” (João 11.25).



[1] Educanda da 1ª série 2 do Ensino Médio do Colégio Coração de Jesus.


Anuncie com Jornal Noroeste
A caption for the above image.


Veja Também


smartphone

Acesse o melhor conteúdo jornalístico da região através do seu dispositivos, tablets, celulares e televisores.