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Raízes do informalismo brasileiro


Por: Artigo de opinião
Data: 06/06/2023
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“Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade — daremos ao mundo o ‘homem cordial’[1].” — Sérgio Buarque de Holanda, sociólogo brasileiro.

Foto: Divulgação

Por Ana Luiza Bonadio Roman[2]

Orientador: Prof. Fernando Razente (Sociologia)

Nos dias de hoje, não é surpreendente ligar a televisão e se deparar com inúmeros casos de corrupção e escândalos envolvendo os Poderes Públicos. As figuras políticas, que deveriam ser honestas acima de tudo para o bem de todos e a integridade do Estado que representam, estão cada vez mais criativas nas formas absurdas que encontram para burlar as leis e se beneficiarem com o crime.

Uma dessas incontáveis maneiras de deturpação da lei se dá pela prática do nepotismo, onde um agente público usa de seus poderes para favorecer seus familiares, nomeando-os a cargos onde não apresentam capacidade nem legitimidade para assumir ou desempenhar. Os casos de nepotismo no Brasil são recorrentes.

Uma matéria publicada no G1 MT apresentou que até o final do primeiro mês do ano de 2022, 25 casos de nepotismo foram identificados na Prefeitura de Cuiabá e como resultado muitos servidores foram exonerados. Recentemente, dois casos se tornaram públicos e notórios no Paraná, um envolvendo a Prefeitura de Araucária e o outro a Prefeitura de Matelândia.

Esses (e outros) inúmeros casos nos fazem questionar a integridade de nossos representantes públicos. Nas aulas de Sociologia, abordamos recentemente a gênese da estrutura política do Brasil com o Prof. Fernando Razente. Nestas aulas, estivemos aprendendo sobre as raízes sociais do informalismo da política nacional, bem como sua relação com as recentes decisões jurídicas sobre o nepotismo.

 O nepotismo, embora sendo um problema crônico na política nacional enquanto ato de um agente público usar de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer um ou mais parentes, só foi constitucionalmente vedado em 2010, a partir do decreto nº 7203, de 4 de junho, que dispõe sobre a vedação do nepotismo no âmbito da administração pública federal.

Essa lentidão da criminalização de uma prática presente desde os mais remotos tempos da história brasileira e sua força ainda tão grande nos poderes públicos pode ser explicada a partir do conceito sociológico de “homem cordial”.

De que se trata? O historiador e sociólogo brasileiro Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), em uma de suas obras de maior prestígio chamada Raízes do Brasil (cuja primeira edição data de 1936), explica, a partir desse conceito, de onde surge essa familiarização que está presente em nossas instituições públicas.

Lamentavelmente, temos o hábito de lidar com a política como uma extensão de nossa vida privada, mas segundo Buarque, “O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particulares [...] que a família é o melhor exemplo” (2014, p. 169). No entanto, essa diferenciação necessária entre duas esferas (Estado e Família) nunca esteve presente na gênese política nacional.

E qual a causa? Como diz Buarque, essa “(...) indistinção fundamental entre as duas formas é prejuízo romântico que teve seus adeptos mais entusiastas durante o século XIX.” (2014, p. 169).

Esse romantismo intelectual brasileiro é caracterizado arquetipicamente por Buarque como “homem cordial”, um espectro genérico do que representa o brasileiro nas suas qualidades sociais mais distintivas, como pessoalidade, intimismo, familiaridade e cordialidade em seu sentido pejorativo, como alguém que a tudo leva para o pessoal.

Afinal, no Brasil, pode dizer-se que “(...) falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático. No Brasil, (...) só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares…” (2014, p. 175).

Esse predomínio de vontades particulares, de familiaridade nos tratos e a falta de impessoalidade nas relações, segundo Buarque, afetam quase todas as instituições sociais que penetram em nossa vida, desde o nosso usa da linguagem, nossas liturgias religiosas e até mesmo os relacionamentos comerciais sem faltar, obviamente, as decisões políticas.

Aquelas ações e atitudes que deveriam ficar restritas à esfera da família de modo particular, como a proximidade afetiva, parece ser cronicamente transferido para as relações públicas como o destino da nossa política de convivência, como se a burocracia impessoal fosse algo estranho e hostil.

Essa extensão da “cordialidade” na vida brasileira demonstra os sintomas cotidianos de nossa ânsia colonial em estabelecer intimidade em esferas que (por hipótese) seriam de foro público ou formal; e essa marca, essa persona chamada de “homem cordial”, é o responsável pela maneira como muitas vezes nossos representantes públicos estendem para uma esfera formal e impessoal por lei, suas vontades e relacionamentos particulares, gerando um favorecimento pessoal e familiar, caracterizado como nepotismo.

Como conclusão, acredito que nós, cidadãos, precisamos entender que o nepotismo é antigo, porém maléfico e traz graves consequências para a sociedade, facilitando lavagem de dinheiro, o pagamento de propina, a troca de favores e acarretando em outras formas de corrupção. Nepotismo é crime e deve ser tratado como tal, com a população cobrando a imparcialidade dos órgãos e funcionários públicos em suas tomadas de atitudes.



[1]A expressão é originalmente do escritor Ribeiro Couto (1898-1963), em carta dirigida ao poeta mexicano Alfonso Reyes (1889-1959) e por este inserta em sua publicação no períodico Monterrey (1930-1937).

[2]Aluna da 2ª Série do Novo Ensino Médio do Colégio Sagrado Coração de Jesus (Nova Esperança).


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