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Os musicais passos da tecnologia


Por: Jacilene Cruz
Data: 03/11/2025
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Jacilene Cruz

Para Elândia, minha amiga.

Olha gente, essa história de harmonizar sons, ritmo, melodia e voz é, talvez, uma das grandes descobertas da humanidade. Levo em conta inclusive que nem tenha sido descoberta, ao invés disso, o ser humano só deu continuidade à cadência dos batimentos do coração materno em contiguidade com o seu tum, tum, tum.

Enfim, quero mesmo é dizer que a música é mágica. Equilibra os tremidos passos que a gente dá nos fios da história. História que a gente escreve e que escrevem por nós.

E por falar em passos, os largos dados nessa última virada de século deixa a gente alardeado. Num piscar de olhos, a tecnologia tomou conta da vida e, mesmo quem não tem acesso a esse “bem-comum”, sente os seus efeitos. Afinal, o vai e vem ficou tão frenético, a obrigação de atender e satisfazer a muitos ao mesmo tempo faz com que este danadinho se esvaia e nem uma musiquinha a gente consiga ouvir.

Entretanto, a música sempre esteve muito atenta ao seu tempo. Pode ser que a gente não perceba, afinal os anos têm sido como lebres, mas ela canta nossos saltos tecnológicos com precisão euclidiana.

No início da década de 1980, namoro a distância era muito complicado, quem deu esse Recado[1] pra gente foi Joana quando cantando aos quatro cantos do Brasil: Mandei um recado/Pro meu namorado/Nos classificados/De um grande jornal/ [...] Se ele leu ou se ela cansou de esperar, melhorou o astral e partiu pra outra, não se sabe.

Nesses mesmos anos, telefone fixo (tecnologia ultrapassada no primeiro quarto do século XXI) era coisa cara, por isso mesmo, rara. Porém, não pense que quem o tinha sofria menos. Nananinanão! Franco preferiu deixar o seu mudo, tirou da tomada e disse assim para a causadora da desilusão: Quero que risque o meu nome da sua agenda/Esqueça o meu telefone/Não me ligue mais[2].  

Navegar pela música para percorrer os caminhos da tecnologia muito me alegra. Meu contentamento se dá especialmente porque foi um conterrâneo quem melhor cantou sobre esse grande mar. Gil deveria ganhar medalha de ouro, pois o melhor pulo foi dele quando se jogou em Pela Internet[3] em 1996. Sim, ele ensinou a muita gente que nem mandar recado no jornal, nem emudecer o telefone adiantava mais. Anunciou os novos tempos dizendo que, agora, a gente teria que Criar meu web site/Fazer minha home-page/Com quantos gigabytes/Se faz uma jangada/Um barco que veleje [...]

Nessa trilha tecnológica, saltamos para os anos 2000. Neles, foram outros quinhentos! Singrar o infomar foi deixado de lado porque as Foguentas e Bola de Fogo cadenciaram os passos direitinho e mostraram quão prática uma relação poderia ser. Bastava um simples telefone celular (sim, celular ainda era um adjetivo): Piririm, piririm, piririm/Alguém ligou pra mim/Piririm, piririm, piririm/Alguém ligou pra mim/Quem é?/Sou eu, Bola de Fogo/E o calor tá de matar/Vai ser na praia da Barra/Que uma moda eu vou lançar [...][4]

É através do Zeca Baleiro, de quem sou grande fã, que a gente toma ciência que, em 2012, o Facebook era a grande onda tecnológica. Ele assume que foi descuidado, mesmo tendo O meu amigo Enock/Que tem uma banda de rock/Me disse "cuidado"/Mas eu, desligado, nem quis ouvir.../Vou excluir você do meu Facebook/Da minha vida também/Eu já saquei o seu truque [...][5]

Enfim, chegou 2024. Foi nesse não tão ido ano que o Grupo Sorriso Maroto lembrou que, por mais que a tecnologia avance, a dor de cotovelo sempre vai existir. Porém a voz de adeus ficará gravada, no sentido próprio e figurado, ecoando sem fim: Olha o que a saudade faz comigo/Inventei de ouvir um áudio antigo [...]/ Senti saudade daquela conversa/Até tentei ir acelerando o áudio/Mas a saudade não passou depressa[6].

Num futuro distante, talvez os filhos de nossos filhos fiquem chocados ao saber que a comunicação acontecia através de mensagens de voz, gravada em aparelho chamado telefone celular, perdão, celular (o adjetivo ganhou a briga com o substantivo). Quem sabe eles (re)inventem a escrita e até mandem mensagem nos classificados de jornal.



[1] Escrita por Renato Teixeira e gravada por Joanna, em 1984. Também conhecida como Meu namorado.

[2] Telefone Mudo, escrita por Franco e Peão Carreiro. Sucesso na voz do Trio Parada Dura, em 1983.

[3] Primeira música brasileira lançada e transmitida ao vivo na internet. Ideia foi de Flora Gil, mulher de Gilberto.

[4] Alguém ligou pra mim, gravada por DJ Malboro, Bola de Fogo e as Foguentas. Com refrão repetitivo e letra ousada, virou um grande hit.  

[5] Meu amigo Enock, de Zeca Baleiro, traz a desilusão amorosa em tempos já não tão modernos.

[6] Apaguei para todos, gravada pelo Sorriso Maroto e Ferrugem, traz também a desilusão amorosa, agora em tempos verdadeiramente modernos.

Jacilene Cruz


Anuncie com Jornal Noroeste
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