Só subirá na parede, quem tiver mais unhas

Jacilene Cruz
Há um tempinho, mais precisamente em julho deste corrente ano, escrevi a crônica Quantos gols vale uma chuteira? Nela, expus um pouquinho a trajetória do meu sobrinho-neto Gabriel e sua saga em se tornar um jogador de futebol.
Mexendo nas minhas tentativas de escritas para a escrita dessa semana, encontrei o texto que Biel me enviou e serviu de base para aquele. Nas anotações, ele narra de forma suscinta sua trajetória. E, como uma ideia puxa outra e a outra puxa uma, resolvi usar mais um pouquinho do que meu jogador de futebol preferido escreveu:
Aos 5 anos comecei a treinar na escolinha do meu tio, como ele percebeu que eu tinha talento, decidiu pegar um pouco mais no meu pé, ou seja, iniciou o investimento na minha carreira. E eu, como já assistia jogos de futebol na televisão, gostei muito da ideia [...]
Comecei jogando pelo Tiradentes, clube que tinha uma parceria com a escola do meu tio. Por lá, fiz belas atuações, mas não durou muito tempo essa parceria, e acabamos nos transferindo para o Independente. No Independente, ganhamos vários títulos em várias categorias. Eu jogava sempre no meu sub, e também nas categorias acima. Meu talento me ajudou muito nessas conquistas, e hoje, graças a Deus, tenho uma bela coleção de medalhas [...]
As palavras dele me lembraram alguns acontecimentos largamente elogiados pelas “grandes e pequenas” mídias sociais. São relatos de pessoas que se esforçam ao extremo para determinado fim, como se esforço e talento fossem os únicos responsáveis pelo sucesso. Vejam esse exemplo da época da pandemia – momento este que jamais devemos esquecer:
JOVEM SOBE NO ALTO DE ÁRVORE PARA MELHORAR SINAL DE INTERNET E ASSISTIR AULAS NO PARÁ[1]
Além de mostrar a força de vontade de um jovem que sonhava em melhorar a vida dos pais, o que mais está claro nessa chamada? Na minha percepção de velha professora, está o abandono que parcela mais que significativa de nossa população é acometida. Vale aquela quase máxima:
Podemos até estar na mesma tempestade, mas uns lançados em alto mar, sem saber nadar. Já outros ostentam suas majestosas embarcações.
Se alguns de vocês me disserem que sou pessimista e só vejo o copo meio vazio, respondo:
- Está mais que meio vazio sim. E não apenas o copo.
Quais as oportunidades de ter uma vida diferente e melhor que a dos seus pais o menino que subia na árvore para estudar tem? Na maioria das vezes, o drible surge apenas para viverem e, diga-se de passagem, em dificílimas condições.
Querer não é o bastante. Gabriel tinha talento, mas...
1º- precisou que alguém percebesse o ‘dom’.
2º- o convencesse que tinha.
3º- provesse as condições materiais e emocionais para que o inato se ampliasse.
Vivemos um momento de coacherização ou talvez de choacheriotia, onde indivíduos vazios tentam nos convencer de que o poder está em nós. Isso tudo é conversa pra boi dormir.
Além de querer, é preciso que todo o entorno trabalhe em prol, que propiciem condições equânimes. Só assim o talento e a força de vontade vão se desenvolver. Caso contrário, subirá na parede apenas quem tiver mais unhas.

