O roteiro do espetáculo
Alguns bares e lanchonetes contratam bandas para distraíssem seus clientes, indiferentes à qualidade da letra e do som. A questão é o barulho, a distração. Se houver qualidade, isso é uma bonificação. Sob estas ideias algumas bandas chegaram a se apresentar em vários lugares. Havia um roteiro do espetáculo. Falo no tempo passado, mas é algo ainda presente. Para estender o assunto: há bares voltados a rock que, claro, só recebem bandas desse estilo, logo, há bandas que fazem parte desse cenário independente da qualidade.
Por analogia, em matéria de literatura é semelhante. Há roteiros do espetáculo em que basta que a pessoa siga um tipo de escrita que será aclamada, ou, pelo menos, não receberá contestação. Esse é o ponto perigoso para a cultura no qual o escritor pode se estagnar e viver para afagar os egos da plateia. O filme argentino “O Cidadão Ilustre” (2016), apesar dos problemas que pode apresentar ao longo da película, toca em algo interessante para a crítica: logo no início, o escritor Daniel Mantovani recebe o Nobel de Literatura, mas, ao invés de ficar feliz, percebe que a sua literatura caiu no gosto comum e que provavelmente não incomoda mais.
Diante do roteiro do espetáculo, o clichê é a chave para o sucesso. É pelo clichê que o autor acaricia o ego do leitor, do mercado, submetendo-se a uma estrutura que só quer confirmação e nenhuma contestação. Tal estrutura não quer aprender com a diferença, mas quer apenas confirmações das suas opiniões. Não significa cair no outro extremo e começar a escrever ofensas ao ser humano, mas também escrever para afagar egos é utilitarismo demais. Esse cenário cria artistas pré-fabricados, que são peças pequenas e pobres de uma grande engrenagem.
Em certas situações é possível ver pessoas se identificarem como artistas e escritoras, quando, sob um olhar mais acurado, tais pessoas são pré-fabricadas, e a criação, em suma, é uma reprodução da reprodução da reprodução. Não há criação. Há uma repetição que não gera a diferença. Mas, talvez pensem tais artistas: “se há filmes de animais e estes falam e atuam, logo, eu também posso falar e atuar”. Este foi o deboche e o grande humor de Robert Mitchum ao dizer que se “Rin-tin-tin” era ator (e um grande ator, diga-se de passagem), ele também poderia ser. Assim, e aqui a situação fica trágica, muitos olham alguém dizer que é escritor e logo se colocam a dizer que também são. Em termos moralistas, tal situação chega a ser uma falta de pudor. Isso prejudica quem quer ser um profissional na área e por fim que todos terminam em uma vala comum.
Há pessoas (e não escritores) que tiveram a sorte de lançar um livro e ficaram conhecidas pelo trabalho. De tal reconhecimento podem até vir prêmios. Porém, tudo que a pessoa tinha para dar já foi dado. O livro foi quase que uma obra do acaso. Mas, conforme dito, por um golpe de sorte, ela fica conhecida e passa então a ser intitulada como escritora. Por outro lado, alguém pode passar a vida inteira ao largo de prêmios e reconhecimentos e ser escritora. É preciso diferenciar o artista, o escritor, daquele que apenas escreve casualmente. Não significa escrever por atacado, mas também não significa dar louros desnecessários e indevidos.
É difícil classificar algo de antemão em bom ou ruim, mas, como eu sempre conto com o bom senso do leitor, vou me permitir o risco. O bom autor até que consegue publicar e divulgar seus textos, talvez não como seria necessário, mas ele consegue. A internet é uma facilitadora da difusão dos saberes. Mas, o problema é que a internet também é um pântano onde tudo está lá. Como, então, o escritor faz para encontrar leitores? Essa não é das tarefas mais simples, até porque há uma carência de leitores, uma carência global de pessoas formadas. Com tais dificuldades uma vez mais o roteiro do espetáculo tende a ganhar força.