O pós-doutorado
1. O pós-doutorado... Nova Zelândia (agosto a dezembro de 2016)
Em março de 2015 eu terminei o doutorado e queria descansar da vida formal de estudante (se bem que em fevereiro de 2015 comecei a cursar Direito). Em junho de 2016, porém, foi aberto um edital de afastamento para estudos para pós-graduação e pós-doutorado. Eu estava decidido a não concorrer, só que a então diretora de ensino, professora Valeriê Inaba, me alertou: “concorra, aproveite, depois pode ficar mais difícil.” Segui o conselho e entrei em contato com um amigo professor da UFOP, Marcelo Rangel, e lhe perguntei se ele gostaria de me supervisionar. Ele aceitou. Enviei toda a documentação para a seleção do edital e fiquei entre os aprovados.
Pensei: “Que legal. Conhecerei Ouro Preto e Mariana”. Então comecei a estudar os temas do pós-doutorado, a transição do Brasil Império para a República e de que forma Nietzsche foi recepcionado no Brasil. A proposta seria a de em 2017 eu ministrar um curso para a pós-graduação em História da UFOP e ao longo do estágio publicar os trabalhos desenvolvidos.
Continuei meus pensamentos: “E se eu aproveitasse o afastamento e fosse estudar algo diferente em outro país?” Gostei dessa ideia e, em conversa com o meu amigo Rubens Berger, nos veio à mente a Nova Zelândia, porque, além de estudar inglês, eu conheceria uma cultura diferente. Em agosto de 2016 embarquei com destino a Auckland para um período de pouco mais de 3 meses de estudos.
Quando cheguei à cidade neozelandesa, o impacto foi grande: eu não conseguia falar direito e mal conseguia entender o que os kiwis (neozelandeses) falavam. O primeiro mês foi de dificuldades, até que depois, por mais que eu tivesse dificuldades, comecei a ouvir e a falar razoavelmente bem o idioma. Foi a partir desse momento que a experiência do intercâmbio se tornou mais agradável, pois até então eu me sentia perdido naquele país. Detalhe: quando cursei História fiz 4 anos de curso de inglês, mas a experiência de viver em um lugar em que esse idioma era nativo foi inigualável.
Pelo fato da Nova Zelândia ser pequena, pude conhecê-la bem em pouco tempo. Visitei Christchurch e Queenstown (cidades da Ilha Sul), e Hamilton e Matamata, além de ter conhecido boa parte de Auckland (cidades da Ilha Norte). Em Matamata fica o famoso cenário de gravação de “O Senhor dos Anéis”. Todas essas viagens fiz em finais de semana, pois de segunda a sexta eu estudava inglês em uma escola de idiomas, a Language Studies Internacional (LSI), e quando sobrava tempo eu ia à biblioteca da Universidade de Auckland.
Como eu fiquei todo o período em Auckland em casas de famílias, duas ao todo, em uma delas tive uma curiosa experiência. As bibliotecas na Nova Zelândia funcionavam de segunda a segunda, até o início da noite. Em um domingo, eu estava com meu amigo Luciano Teixeira, e a filha dele, Vitória, de 10 anos, fez birra para ir à biblioteca. Fomos à biblioteca, ficamos cerca de duas horas e quando estávamos para sair a menina e os seus dois irmãos fizeram birra para ler mais. Nunca tinha visto nada igual, mas o fato é que o hábito da leitura entre as crianças neozelandesas me pareceu significativo.
Aproveitei aquele período de intercâmbio, também, para conhecer museus, parques e a estrutura escolar e universitária. Hoje eu sei o porquê a Nova Zelândia fica sempre entre os países com maior qualidade de vida do mundo. A qualidade de vida é uma questão séria entre os kiwis. Corrupção existe, mas é baixíssima; poluição é baixíssima; e os parques são limpos e seguros.
A experiência entre os kiwis está entre as melhores que já tive e os meus alunos já se beneficiaram dessas histórias. Costumo dizer que se não posso levar meus alunos para o mundo, eu o trago para eles. Nenhuma viagem que fiz foi custeada por ninguém além do meu salário de professor. Alguns dizem que eu deveria ter investido em uma casa ou em terrenos, mas a cada escolha renúncias devem ser feitas. Paciência.
Ainda na Nova Zelândia, fruto da minha amizade com o Luciano, já citado neste texto, surgiu a oportunidade para ir, por 12 dias, para Fiji e Samoa. O intuito era evangelizar e ajudar na estruturação da Congregação Cristã no Brasil (no caso, Christian Congregation in Fiji e in Samoa). Não pensei duas vezes, afinal, estava à porta a oportunidade de conhecer novos países e agregar uma cultura que eu nunca havia sequer imaginado. Fomos para Fiji e Samoa...
2. O pós-doutorado... Fiji e Samoa (outubro a novembro)
... Chegando em Fiji, ficamos 6 dias. Tive a oportunidade de conhecer várias cidades, como Nadi, Lautoka, Ba e Suva (capital).
Fiji é um país que conquistou a independência no século XX e se divide entre nativos e descentes de indianos. Por conta disso, o país tem 3 idiomas: fijiano, hindi e inglês.
De Lautoka a Suva há uma ponte que começou a ser construída, mas não terminaram, sendo que outra ponte, próxima daquela, foi concluída. A ponte pela metade ficou inacabada mesmo. Essa estranha situação já me serviu de inspiração para alguns poemas. Todas as viagens, de alguma forma, me servem de inspiração para escrever. Meus quartos de hotel são simples, mas não podem faltar uma escrivaninha, pois minhas noites são sempre diante das palavras. Sobre Fiji: que saudade dos meus amigos Bobby James, Sneh Kumar, Sherry Kolinisau e Sela Jah.
Depois de findar a jornada em Fiji, fomos a Samoa. Neste país, logo ao chegarmos em Apia, notei um estranho costume: várias pessoas eram enterradas nos quintais da própria casa ou na de parentes. A ideia é a de que as pessoas devem ficar próximas dos seus, além do que, o hábito de cemitérios públicos era recente. Como é possível julgar uma cultura tão diferente? Nesse tipo de situação, julgar é tolher a compreensão.
Como sempre gostei de antropologia e sempre admirei os estudos de Margareth Mead, eu sabia que estava em um lugar importante para a história da antropologia, para os alicerces dessa ciência. A antropóloga era aluna de Franz Boas, o mesmo mestre de Gilberto Freyre. Sobre a adolescência, Mead foi investigar em Samoa se essa fase da vida era semelhante entre os samoanos como o era entre os estadunidenses e europeus e ela descobriu que não. Além disso, Mead achava lindo o idioma de Samoa e eu também achei, aliás, um dos mais lindos que já ouvi. Uma pena ser falado só em Samoa. Que saudade dos meus amigos Sanitoa, Filipo e Lui.
Viajei para países que nunca tinha sonhado conhecer e pude trazer livros e mais livros, por exemplo, acerca dos mitos dessas culturas. Quão semelhantes são dos mitos incas, iorubás ou gregos. Foi em Fiji que eu comprei a passagem para ir para a Austrália, cujo visto eu havia tirado no Brasil, e, assim, após voltar a Auckland, em 09/12/2016 eu fui para Sydney...
3. O pós-doutorado... Austrália (dezembro)
... Eu realmente aproveitei o período do pós-doutorado. Além de ter publicado poemas e artigos, conheci novas culturas. O último país que eu conheci foi a Austrália, no caso, a cidade de Sydney.
A minha estadia foi curta em Sydney, apenas 3 dias, mas fiquei a quase totalidade nas ruas, caminhando. Meu hostel foi utilizado pouquíssimas horas. Em minhas viagens eu tanto faço programas típicos de turista, como visitar a extraordinária Sydney Opera House, quanto programas que poucos fazem, como ir às periferias da cidade. Foi neste passeio diferente que vi que a realidade dos aborígenes não é das melhores, pelo contrário, formam um grupo marginal na Austrália. Eu cheguei a ver duas cenas tristes sobre os aborígenes: 1ª Um deles gritou para um grupo de turistas: “somos pobres, vivemos às margens em um lugar que era nosso”; 2ª Pessoas tirando fotos com um aborígene como se fosse uma caricatura. Essa segunda situação faz lembrar as fotografias que turistas tiram com povos originários brasileiros ou com nativos dos Andes. Foto sem compromisso, apenas para colocar em um quadro.
Antes de falar de um ponto turístico em Sydney, vale a pena trazer uma história engraçada. Desembarquei no aeroporto, troquei o dinheiro e pensei “como meu inglês está melhor do que quando cheguei à Nova Zelândia, aqui será divertido.” Diante disso, vi um homem e, em inglês, disse que gostaria de ir ao centro. Para o meu espanto, o homem disse: “Pode falar em português porque também sou brasileiro.” Fiquei com vergonha, pois quis abusar do meu inglês e tomei uma rasteira. Vivenciei na prática algo que alguns professores de inglês dizem: brasileiro tem inglês de brasileiro.
Enfim, próximo da Sydney Opera House há um monumento que gostei e que também existe em outros lugares do mundo: uma calçada de escritores. Há placas douradas ao longo de uma rua com nomes de escritores que passaram pela Austrália. Dentre os nomes há os de Charles Darwin, Mark Twain, Joseph Conrad e Umberto Eco. Foi emocionante. Eu já estive tanto na Bahia quanto no Rio de Janeiro e agora pisaria na Austrália, onde Darwin também pisou.
Aproveitei meu escasso tempo para ir a uma grande livraria atrás de livros de história e mitologia. Gosto de estudar mitologia, pois ela diz muito sobre o ser humano. Já ensinei algumas vezes história grega e mesclei com mitos aborígenes, maoris (povos originários da Nova Zelândia), dentre outros. Meus alunos gostam. Se eu não pude conhecer Melbourne ou o Monte Uluru, ao menos comprei livros que me permitiram conhecer melhor a Austrália.
Quando voltei ao Brasil, no final de dezembro, passei 5 meses pesquisando para ministrar um curso em Mariana. E assim fui a Mariana...
4. O pós-doutorado... Mariana e Ouro Preto (maio a junho de 2017 - fim)
... Que prazer saber que agora eu iria a Ouro Preto e Mariana. E o prazer só aumentava porque a minha mãe iria de companhia. Ela me disse: “vamos uns dias antes para irmos a Paraty? Eu morei em Angra com os meus pais, quando estavam construindo a Usina, e gostaria de te mostrar aqueles lugares”. Assim, fomos também a Paraty e Angra dos Reis. Pude conhecer a Estrada Real através do caminho que se inicia em Cunha (São Paulo) e, com calma, conhecer um pouco da história do Segundo Reinado Brasileiro. Que legal ver o que eu só tinha ouvido e lido.
Em Paraty descobri ditados populares como “vai ficar na sarjeta” e “sem eira nem beira” e o porquê o carioca se chamar carioca. Que aula de história. Como meus alunos iam gostar de saber das minhas viagens! A minha ansiedade era uma só: contar tudo o que eu aprendia para os meus alunos.
Aproveitando a estadia carioca, fomos às Usinas de Angra 1 e Angra 2. Meu avô materno, Waldemar Silva, trabalhou na construção desse grande projeto na década de 1970. Já comentei em outro artigo, “Do meu avô para o mundo”, presente em “É por você que escrevo: crônicas docentes 2” (inédito), o tanto que o meu avô viajou pelo Brasil. Meu avô era um Dom Quixote.
A caminho de Mariana, fomos até Congonhas conhecer a magistral obra de esculturas de Aleijadinho no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Congonhas não à toa ficou conhecida como a “Cidade dos Profetas”, em referência às esculturas dos profetas do Antigo Testamento, feitas em pedra sabão pelo mestre do barroco.
Depois de Congonhas fomos à Belo Horizonte. Eu queria conhecer a arte de outro mestre brasileiro: Oscar Niemeyer. A Pampulha é uma obra de arte. Eu já conhecia outras obras do mestre, como Brasília, e sempre fiz questão de conhecer o que Niemeyer fez. Ficamos apenas um dia na capital mineira e então fomos a Ouro Preto.
Ouro Preto e Mariana são verdadeiras obras de arte do barroco mineiro. Aleijadinho trabalhou intensamente, pois tudo exala a sua arte e a de seus ajudantes, amigos (a exemplo de Mestre Ataíde) e contemporâneos. Fora esse aspecto da arte de Aleijadinho, aquela região de Minas também ficou marcada pelos Inconfidentes. Não ao acaso, no centro de Ouro Preto, há uma estátua em homenagem a Tiradentes e um museu, o Museu da Inconfidência. Eu estava diante da história brasileira ao vivo e a cores.
O tempo em Ouro Preto e Mariana, cidades vizinhas, foi intensamente aproveitado. Um dia íamos à Mina do Veloso, outro a uma gruta, outro a um museu, outro a um teatro. Minas é realmente a terra dos ditados populares: “olha o passarinho”, “pé rapado”, “meia tigela”, “bucho cheio”, “a pessoa tem gogó”, são ditados que ou surgiram ou que se consolidaram entre os mineiros. Os alunos gostam de saber desses assuntos curiosos e ao mesmo tempo ricos em histórias, e em todo esse processo isso eu ia acompanhado tanto da minha mãe quanto dos alunos e professores da UFOP. Eu digo que meus colegas da UFOP, Marcelo Rangel, André Freixo, Helena Almeida, Clayton Ferreira e Danilo Vicente ocuparam todo o meu tempo. Se eu não estava em sala ministrando algum curso, eu estava em algum lugar da cidade ouvindo e contando histórias.
Infelizmente, em 2017, quando eu estava em Mariana, tinha acabado de ocorrer o rompimento da barragem em Bento Rodrigues, distrito de Mariana. A data precisa foi em 05 de novembro de 2015. Fui àquele lugar ver como tinha ficado após a catástrofe. Que experiência terrível: tudo estava destruído, e onde houve vida exalava o tétrico cheiro da morte. Esse fato abalou a cidade, seja porque as pessoas daquele distrito eram conhecidas de quem morava em Mariana, seja porque a Samarco cometeu um grave crime, que associou a cidade histórica a um desastre.
A viagem a Paraty, Ouro Preto e Mariana durou ao todo duas semanas e quando cheguei a Paranavaí, em junho de 2017, faltavam poucos dias para a minha licença de 11 meses terminar. O saldo de todas as viagens e do pós-doutorado foi: muitas fotografias, livros, trabalhos publicados e histórias que deixariam o Felipe, professor de História, cheio de ânimo para lecionar.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.