A caneta e a enxada
Há quem diga que “é melhor segurar uma caneta do que uma enxada”. Superficialmente, é uma verdade, mas, esse ditado espirituoso esconde problemas. Visivelmente, a caneta é mais leve; em termos práticos, é melhor estar em um local protegido do sol do que ser castigado pelo calor; e, provavelmente, quem estuda ganhará mais do que um trabalhador braçal. No entanto, os problemas ocultos da expressão precisam ser ditos.
Eu gosto de viajar e acho maravilhoso contar as minhas experiências, e, também, incentivo todos a conhecerem o mundo. Do mesmo modo que gosto de me colocar no mundo, gosto de ler, pois os livros têm o poder de nos abrir horizontes. Entretanto, nem viajar é só prazer e nem ler é só aventuras. Há perigos nas estradas, canseiras sem tamanho em engarrafamentos, sustos, pavores, saudades. Quanto à leitura, nem todo livro é fácil, há alguns que nos cansam e testam os nossos limites. Além disso, só quem nunca lidou com a atividade intelectual para dizer que estudar é simples e não cansa. Com frequência eu termino os meus dias, após extensas leituras, exausto e com dificuldade para dormir, e, também, é comum eu ter dores e inflamações nos braços, nos ombros, e na lombar (enquanto escrevo estas linhas, todo esse mal-estar me acompanha).
Quando eu vejo um professor, ou um escritor, que tem autoridade, que fala do que leu, viu, viveu, eu sinto que o peso é maior do que quem fala de um ponto de vista distante. É certo que é possível conhecer de longe, pois o “ver para crer” é vazio, mas, quanto mais alguém vive o que fala, é melhor ou mais forte. Quando eu digo aos meus alunos que conheço o Partenon, em Atenas, e as ruas que Machado de Assis pisou, no Rio de Janeiro, a maioria não tem noção do esforço que deu para adquirir tal saber, mas, é o meu ofício esclarecer sobre o que é a vida intelectual. Geralmente, o efeito é positivo e inspirador. Ao final do ano letivo, é comum eu receber cartas de agradecimento.
Uma simples expressão, como a apresentada no início, de simples nada tem. O saber é leve, mas, também, possui um peso e um preço. O estudo não se encerra nas quatro paredes da instituição de ensino, mas, costuma ir para a casa do estudante e do professor. Com isso menosprezei a enxada? Não, mas, apenas problematizei a caneta.