O direito à (in)formação
A humanidade produziu ao longo da história várias ferramentas que vieram a se tornar poderosas armas. Uma dessas armas é o Direito, que serve tanto para a promoção do bem quanto para o mal angariar vantagem.
Feita a introdução anterior, agora cabe destacar algo igualmente básico. O direito sempre foi uma ferramenta dos poderosos, feita por eles e executada também por eles. Não é difícil perceber que quem produz o direito muitas vezes recebe pressão e até se venda a interesses de pessoas e grupos fortes. Da mesma forma se dá com o Poder Judiciário, que, através de um vocabulário rebuscado, acabou por restringir o direito a meia dúzia de iniciados, ainda que hoje profissionais do direito abundem por todos os lados.
A questão é que, como dizia Francis Bacon, “saber é poder”, e quem detém o saber médico ou o jurídico, como é o caso visado neste artigo, encontra-se em posição privilegiada. Que se imagine uma simples relação de consumo. O fornecedor é o polo mais forte da relação, ou por questões econômicas ou por questões técnicas. O consumidor, por precisar do serviço, acaba por se submeter a várias condições que a depender podem ser benéficas e a depender não.
É pensando justamente sob o prisma da fraqueza do consumidor que o direito brasileiro, em sua esfera consumerista, preceitua vários deveres aos fornecedores, dentre eles o dever de informar. Informar é prestar tudo o que é essencial para que o outro lado da relação possa aderir ou não a determinado serviço. Tal dever não é pouca coisa, afinal, entrar em um contrato com forças desiguais já não é das condições melhores, mas ainda é compreensível, mas estabelecer um vínculo às cegas é um fardo que a pessoa pode não suportar (e que não é obrigada).
Com noções básicas de direito, especialmente de direito civil, as pessoas poderiam evitar alguns dissabores, pois, tendo saber jurídico teriam mais poder. É nesse horizonte que surge um questionamento básico: por que o direito não é ensinado nas escolas e nos cursos superiores como um todo? Não se trata de formar técnicos e bacharéis, mas, como é possível um estudante não conhecer do básico das leis do próprio país?
É necessária a seguinte ressalva: mas, tudo se resolve pela educação? A escola agora tem de dar conta de tudo? Não é por esse caminho que o artigo deseja andar, pois a escola não é nem pode ser vista como uma panaceia, porque daí todos os males do mundo recairiam sobre os professores. A escola nem é uma ilha, pois sofre influência de todos os lados, e nem o professor é um super-herói.
O que é justo, e se trata mesmo de uma questão de justiça, é que o direito seja acessível às pessoas e que as universidades e os cursos de Direito, em especial, deveriam levar mais cursos de extensão à comunidade. Formar as pessoas para que o direito à informação apregoado pelo próprio Direito possa ser real e não só formal. Veja-se, também, que essa proposta envolve necessariamente a participação do Poder Judiciário, e não só das universidades.
Aqui cabe um exemplo básico de relação de consumo e que alguns profissionais, por má-fé, podem se beneficiar. Alguém precisa fazer implantes e vai a uma clínica odontológica. Os dentistas dizem o que é preciso para que o objetivo seja alcançado e passam um orçamento. Porém, o tratamento se estende além e até bem além do previsto e o orçamento inicial, para o bem (do dentista) e para o mal (do paciente), dobra, triplica. O paciente, vulnerável, faz de sua boca uma mina de ouro para o dentista, como diz o professor Roberto da Silva (2019). Como sair de uma situação dessa natureza? Eis algo complicado, ainda mais para pessoas com baixa formação.
Por causa das situações narradas anteriormente que toda pessoa, e todo profissional, deveria pedir e mesmo exigir que todo procedimento fosse registrado e entregue por escrito. Somente palavras não são suficientes para provar determinadas situações, ainda mais onde a má-fé possa habitar. É preciso acender um sinal de alerta quando alguém se recusa a prestar informações. Retornando à frase de Bacon, “saber é poder”.
Apenas para concluir esse raciocínio, não ao acaso quando não há o fornecimento de informações isso pode ensejar danos morais. E uma vez que a pessoa pode ter que buscar outros meios para resolver tal problema, às vezes através da via administrativa (Procon) e/ou Judiciário, haverá uma perda de tempo, o que significa, nas palavras de Marcos Dessaune (2017), um desvio produtivo do consumidor, algo que se configura enquanto um verdadeiro dano existencial.
Formação e direito à informação caminham lado a lado, logo, é imperativo formar as pessoas para o direito para que as relações de consumo possam dar um salto de qualidade e não serem somente trocas de produtos, dinheiro para um lado, produto para o outro. A vida está além de um pedaço de papel.
Utopia esse artigo? Claro, afinal, a pedagogia e o direito flertam desde sempre com a utopia, do contrário, para quê essas ferramentas existiriam?
Felipe Figueira & Roberto da Silva. Da história de vida à Pedagogia Social: entrevista com Roberto da Silva (USP). Revista Pontes, Paranavaí, 2019, v. 5, p. 1-5.
Marcos Dessaune. Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada. 2. ed. Vitória: Edição Especial do Autor, 2017.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.