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De aluno a professor concursado: a trajetória de Geovane da Silva


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 30/01/2023
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“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.”

(Guimarães Rosa, “Grande Sertão: veredas)

Uma das maiores alegrias para um professor é quando vê que ajudou alguém a se formar de verdade e que essa pessoa criou asas. Ai do professor que quiser prender os alunos, perdeu tempo no ofício, pois o interessante e o importante é contribuir para uma sociedade melhor. Esse artigo-entrevista tem tudo a ver com esses princípios, pois apresentarei um estudante que agora é um professor concursado, Geovane Aparecido Ramos da Silva, meu ex-aluno da Licenciatura em Química do IFPR campus Paranavaí e recém-aprovado no concorrido concurso da Secretaria Estadual de Educação de Goiás.

Geovane da Silva

Quando conheci o Geovane, em 2015, logo percebi que estava diante de um estudante de verdade, alguém que sabia que estudar era semelhante a uma maratona, isto é, que era preciso uma longa preparação e disciplina, pois o caminho seria longo para ele atingir o objetivo: ser um profissional da área de Química e, no caso, tornar-se um professor.

        Sou testemunha de que o meu ex-aluno não poupava esforços para ser um bom aluno e, para isso, praticamente morava no Instituto. Fez amizades com colegas de sala – lembro-me dos bons e inseparáveis amigos Jan Carlos e Mykaela Campos – e com os professores do curso, a exemplo das professoras Vanessa Marcolino, sua primeira orientadora, e Vanessa Olher. Era comum eu encontrar o Geovane nos laboratórios, na biblioteca e em alguma sala de aula ensinando alguém, seja do ensino médio, seja da própria graduação. Com o passar do tempo, o Geovane passou a ser visto como uma referência. Jean-Martin Charcot ficou conhecido como mestre de Sigmund Freud, por mais que também fosse um cientista brilhante; de modo semelhante, me sinto honrado em poder falar com tanto orgulho dos meus alunos.

Da esquerda para a direita: Jan Carlos (atualmente, mestrando), Profª Drª Vanessa Olher, Mykaela Campos e Geovane da Silva

O Geovane, alguém poderia pensar, é alguém “fora da curva”, uma “mente brilhante”. Isso pode ser verdade, mas, e isso sim é uma verdade incontornável: ele é uma pessoa dedicada, que possui dificuldades e potencialidades, como qualquer outra. Prova disso é que o professor Geovane reprovou no concurso para a Secretaria Estadual de Educação do Mato Grosso do Sul, mas, isso não o desmotivou, ao contrário, o ensinou e, a partir disso, tirou forças da fraqueza, e no concurso seguinte, em Goiás, ficou em 1º lugar.

        Quando soube da referida aprovação, não perdi tempo, a divulguei aos quatro cantos e agora reduzo a termos meus pensamentos sobre esse importante acontecimento.

        O curso de Química do IFPR campus Paranavaí, em 2023, iniciará a sua 10ª turma e já pode dizer que possui grandes vitórias: aprovações em mestrados/doutorados, profissionais atuando em diversas indústrias, técnicos e analistas de laboratório, professores substitutos em várias instituições de ensino, professores efetivos em colégios particulares e até professores concursados. É muito bonito, enquanto professor que sou, ver meus alunos criarem asas, formarem outras pessoas e eu saber que faço parte do sonho de construir uma sociedade melhor.

        Feita essa breve consideração sobre a docência e as suas belezas, afinal, o magistério não possui apenas espinhos, agora passo para a segunda parte desse texto, em que o próprio professor Geovane contará o seu percurso formativo até a aprovação no concurso.

1. Por que a escolha pelo curso de Química?

A minha história com a disciplina de química começa ainda no ensino médio. Logo que entrei no primeiro ano, no Colégio Marins, ainda não tinha muita noção das minhas preferências e dos meus gostos quanto às disciplinas. Foi então que no decorrer do ano, a professora de química, Adriana Aparecida, me despertou esse interesse, com aulas práticas no laboratório e uma didática incrível para ensinar os conteúdos de química.

A partir das aulas de química no primeiro ano do ensino médio, comecei a procurar vídeos de experimentos de química, roteiros prontos na internet, sites de química, entre outros meios que eu conseguia, com o único intuito de saber mais e aprender mais sobre a disciplina e saber a explicação de várias curiosidades minhas. Com isso, apesar de gostar muito das disciplinas de exatas, química se tornou a única que eu realmente estudava fora da escola e procurava aprender cada vez mais.

Ao final do primeiro ano do ensino médio, a professora Adriana se afastou para se especializar, deixando a vaga de professora de química aberta no colégio. Isso me desanimou muito, pois eu a tinha, e ainda a tenho, como uma grande inspiração. Mas mesmo desanimado com sua saída e sem uma professora de química por 3 meses, procurei assistir a videoaulas no Youtube e ler sobre os conteúdos de química com bastante frequência.

Bloco didático do IFPR

O tempo foi passando e ao final do terceiro ano, decidi prestar vestibular para química na UEM e no IFPR, e para Ciências Contábeis na UNESPAR e na UNIFATECIE. Fui aprovado em todos os processos seletivos e fiquei com a possibilidade de escolher, mas optei por química pois era justamente aquilo que me encantava, e eu sempre defendo que as pessoas devem estudar aquilo que gostam, pois mesmo que seja difícil, a pessoa se sente realizada por estudar e posteriormente trabalhar com o que realmente gosta. Além disso, entre IFPR e UEM, escolhi o primeiro, que oportunizou bolsas de estudos para desenvolver trabalhos e pesquisas que foram muito importantes para mim.

2. Qual a importância do IFPR campus Paranavaí para a sua formação, que hoje está em nível de doutorado na UEM?

O IFPR campus Paranavaí foi muito importante na minha trajetória. No IF tive a oportunidade de receber bolsa de estudos do CNPq e da Fundação Araucária para realizar projetos de Iniciação Científica, tanto de pesquisa como de extensão. Essas bolsas, apesar do valor não ser alto, ajudaram muito para que eu seguisse uma trajetória acadêmica com uma maior dedicação, além do apoio incondicional dos meus pais para que eu me dedicasse apenas aos estudos.

Laboratório de Química do IFPR

Entrei no IF em fevereiro de 2015 e logo no início ocorreram algumas seleções de bolsas. Me inscrevi em 4 e não fui selecionado em nenhuma delas. No entanto, uma professora do IF que eu tenho um enorme carinho e admiração, e que teve um papel importantíssimo na minha vida para que eu chegasse ao nível de doutorado, Profa. Dra. Vanessa Marcolino, me convidou a participar de projetos de pesquisa que ela coordenava. Prontamente aceitei o convite e passei a frequentar os laboratórios nos períodos matutino e vespertino para ajudar na realização dos projetos. Posteriormente recebi a oportunidade de uma bolsa, sendo que a cada ano as bolsas eram renovadas e tive a oportunidade de permanecer como bolsista até o fim do curso.

Além dos projetos de iniciação científica, nós, enquanto alunos do Instituto, tivemos a oportunidade de participar de vários eventos de divulgação científica, sempre com ajuda financeira integral do IF, por meio dos editais de apoio aos alunos e às pesquisas que eram desenvolvidas no campus. Enquanto aluno do IF, tive professores extremamente capacitados, aos quais agradeço imensamente por todo o conhecimento, todos os ensinamentos e experiências transmitidos ao longo dos 4 anos que estive presente no Instituto e que hoje muitos professores eu ainda mantenho contato e posso chamá-los de amigos.

O campus Paranavaí foi praticamente a minha segunda casa, pois lá eu passava muito tempo do meu dia, seja estudando, desenvolvendo pesquisa, conversando com amigos, nas aulas do curso de química ou até observando os astros com o telescópio do Instituto. Enfim, foram muitas as experiências vividas no IF, e sem isso eu não chegaria aonde cheguei.

3. Como foi o processo para você realmente se aproximar da docência?

Entrei no curso de química unicamente com a intenção de aprender mais sobre o assunto, pois me identificava muito com a disciplina no ensino médio. Jamais imaginaria gostar da docência, tanto que eu tinha a intenção de fazer o bacharel em química na UEM, mas na época de realização das matrículas, a Universidade entrou em greve. O retorno da greve na UEM naquele ano foi por volta do mês de julho e nesta mesma época eu já havia sido contemplado com a bolsa de pesquisa no IF. Por conta da bolsa, não me matriculei na UEM, mas passei o meu primeiro ano inteiro no IF com muito medo de apresentações de trabalho, pois era muito tímido, e realmente tinha pavor de apresentações orais, por exemplo.

Como eu comentei, a Profa. Vanessa Marcolino teve um papel muito importante na minha vida. No final do meu primeiro ano no IF, me inscrevi para apresentar um trabalho em um evento organizado anualmente na região sul pela Sociedade Brasileira de Química. A princípio minha inscrição seria para apresentar o trabalho no formato de pôster, que inclusive já estava confeccionado. No entanto, dois dias antes desse evento meu trabalho foi selecionado para apresentação oral e, nesse momento, eu entrei em pânico, pois tinha muito medo de fazer apresentações desse tipo. A professora Vanessa conversou comigo, me acalmou e me ajudou a fazer algumas apresentações para o nosso grupo de pesquisa, como forma de treinamento.

Apresentação de trabalho no VII Seminário de Extensão, Ensino, Pesquisa e Inovação do IFPR

Já no evento, fiz a apresentação e felizmente fui muito bem, consegui realizar a apresentação com muita calma e, a partir desse momento, foi uma virada de chave na minha vida. O meu primeiro ano da graduação terminou e logo no começo do segundo ano tive a disciplina de Didática, com o Prof. Dr. Felipe Figueira, que me passou muitos conceitos e ensinamentos sobre como atuar em sala de aula, como realizar a preparação para uma aula, desde o plano de aula até estar de fato em sala de aula, ou seja, como realmente ser um professor.

Além de tudo isso, ao longo do curso de química, pude ajudar meus colegas, transmitindo o conhecimento que eu havia adquirido, e de certa forma, ajudar meus colegas com suas dificuldades é também uma maneira de ensinar, seja com explicações dos conceitos ou ainda na resolução de exercícios.

4. Como foi a sua preparação para a aprovação no concurso para a SEED-Goiás?

A minha preparação para o concurso para a SEDUC-Goiás começou em março de 2022, logo após a divulgação do resultado do concurso da SEED-MS que fiz naquele mês. Neste para a SEED do estado do Mato Grosso do Sul, não tive uma preparação de fato, pois estava trabalhando na indústria e isso consumia muito o meu tempo e minha energia. Fui fazer o concurso “na cara e na coragem” e acabei não sendo aprovado pelo fato de não acertar apenas duas perguntas a mais. Fiquei decepcionado, muito triste e então decidi estudar de fato para algum concurso para professor que surgisse.

Ainda no mês de março ingressei no Doutorado em Química, na UEM. Então me organizei e comecei a estudar. Nos períodos da manhã e tarde me dediquei ao doutorado e, com calma e tempo, todos os dias no período noturno, por pelo menos 3 horas por dia, me dediquei aos estudos para o concurso. Assisti a aulas no YouTube, resolvi provas já aplicadas e então fui preparando meu material.

O concurso da SEDUC-GO abriu vagas para todas as áreas do conhecimento que são ensinados ao ensino básico e contou com quase 70 mil inscritos, concorrendo a 5050 vagas. Para Química, foram quase 2 mil inscritos concorrendo a 161 vagas, distribuídas em várias cidades do estado. Por conta de ser bem concorrido, conversei com meu orientador de doutorado, Prof. Dr. Oscar de Oliveira, que me apoiou completamente e me liberou para que eu me dedicasse exclusivamente aos estudos.

Passei, por 40 dias antecedentes ao concurso, em torno de 8 horas por dia me preparando para a prova que aconteceu no dia 25 de setembro de 2022, na cidade de Itumbiara-GO. Foram 17 horas de viagem para chegar e mais 19 horas para voltar à Maringá. Graças a Deus deu tudo certo e o resultado final homologado foi publicado no último dia 23 de janeiro e passei em primeiro lugar para a região que escolhi. Sempre tive muito apoio dos meus pais, Marcos e Tatiana, da minha noiva Mykaela e dos meus melhores amigos Jan Carlos e Edieinar. Não teria ido realizar o concurso se não fosse por essas pessoas muito importantes para mim.

5. Quais as suas expectativas enquanto futuro professor do estado de Goiás?

As minhas expectativas são as melhores possíveis, por finalmente poderei colocar em prática tudo aquilo que aprendi ao longo de 4 anos de graduação, 2 anos de mestrado e 1 ano de doutorado (até agora). Até então fui professor substituto de matemática por 4 meses, uma experiência incrível dentro da escola, dentro de sala de aula, que reforçou ainda mais o meu sonho de ser professor que fui construindo ao longo dos últimos 8 anos.

Ensinar se tornou uma paixão e não me vejo fazendo outra coisa. Como o professor Marcelo Rosa, que lecionou Filosofia da Ciência na graduação de química, mencionou: “se como professor eu conseguir mudar a vida de apenas um aluno, conseguir ser lembrado por apenas um aluno, para mim já valeu a pena”. Faço das palavras do professor as minhas.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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