O critério do juízo de Deus
Romanos 2.6 (ARA): “(...) que retribuirá a cada um segundo o seu procedimento:”
Na semana passada, analisamos o versículo 5, onde Paulo demonstra ao crítico moralista que sua investida em ser duro e impenitente de coração contra a exortação divina geraria para ele apenas ira da parte de Deus na revelação do juízo final. Hoje, no versículo 6, veremos o critério do julgamento de Deus naquele “dia da ira”, quando Cristo retornará em glória.
Primeiro, reforçando o que disse no v.5, Paulo nos dá ainda mais certeza de que haverá uma solene e definitiva retribuição da parte de Deus: “(...) que retribuirá [?ποδ?σει]”. Logo, jamais podemos pensar que Deus não estará ativamente presente nas consequências. As consequências são as justas ações retributivas providenciais da parte de Deus. Ele é o Sumo legislador, juiz e justo recompensador dos homens.
Segundo, que essa retribuição terá uma extensão universal: “a cada um [?κ?στ?]”. Isso nos ensina que nenhum ser humano ao longo da história poderá se imiscuir da retribuição celestial naquele grande Dia, pois “(...) todos nós devemos comparecer diante do tribunal de Cristo” (2 Cor 5.10).
Terceiro, Paulo nos diz que essa retribuição possui um critério, pois: é “segundo [κατα]”, ou seja, coforme algo. Disso aprendemos que Deus não é um juiz cego ou arbitrário, que não possui normas claras e julgamentos coerentes. Na verdade, Deus possui um critério fixo, verdadeiro e universal.
Quarto, Paulo nos diz que esse critério de Deus é a ação humana: é o “procedimento [?ργα]”. A Bíblia de Jerusalém traduz o termo grego ?ργα/erga como “obras”, o que pode dar mais peso para o que Paulo está dizendo.
Obras engloba, como diz o Rev. Augustus Nicodemus, aquilo “(...) que os homens praticam, como pensamentos, palavras, atitudes, omissões.” São as obras humanas, boas ou más, que Deus avaliará e retribuirá cabalmente naquele “dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus” (v.5).
Para Deus, não será levado em consideração a etnia, a língua, o sexo, a posição social e nem mesmo a mera confessionalidade religiosa. Deus irá julgar de acordo com o procedimento, as obras, de cada um.
Evidentemente que isso não significa que somos salvos pelas nossas obras, como muitos romanistas pelagianos e evangélicos arminianos pensam e ensinam. Como a Bíblia de Jerusalém enfatiza em suas notas, essas obras são as dos eleitos, “que terão praticado o bem” (1975, p. 412).
A eleição é divina e graciosa, quando Deus escolhe para si, antes da história e segundo seu beneplácito, aqueles que serão salvos e, na história, leva os seus eleitos à regeneração por meio da fé em Cristo, dando a eles as condições de praticarem boas obras.
Somos salvos pela fé somente, mas essa fé não está só; ela nos conduz a praticar boas obras com intenções retas de coração. É a fé salvadora que nos proporciona uma vida de santidade que será recompensada pelo Senhor. A fé precede e gera as boas obras e as boas obras testemunham de uma fé salvífica.
Logo, como afirma o teólogo anglicano John Stott, a “(...) presença ou ausência da fé salvadora em nossos corações evidencia-se pela presença ou ausência de boas obras de amor em nossas vidas. Os apóstolos Paulo e Tiago ensinam a mesma verdade, que a fé autêntica e salvadora resulta invariavelmente em boas obras e que, se tal não acontece, ela é falsa, ou mesmo morta (Tg 2.18; Gl 5.6).” (STOTT, 2007, p. 93).
Por isso, está certo o exegeta João Calvino quando disse que, no que se refere a hermenêutica “(...) não há tanta dificuldade neste versículo, como comumente se pensa”, crendo ser uma prova de que a salvação se dá pelas obras humanas. Afinal, continua Calvino, “(...) como ele [Deus] santifica aqueles a quem ele anteriormente resolveu glorificar, ele também coroará suas boas obras, mas não por causa de qualquer mérito”, mas sim pela graça divina que faz possível vidas santificadas.
Logo, é com razão que o reformador diz ser “(...) uma inferência absurda deduzir o mérito da recompensa” e que, portanto, ao invés de imaginarmos o que não se deve distorcendo as Escrituras, devemos aprender com esse versículo que, se fomos verdadeiramente salvos pela graça mediante a fé em Jesus Cristo, essa fé verdadeira deve nos levar a sermos zelosos de boas obras (Tt 2.13-14) que, por sua vez, serão julgadas pelo Senhor no tribunal de Cristo naquele Grande Dia.
Querido leitor, ore comigo agora:
"Deus onipotente e Pai Celestial…
Confessamos a Ti os nossos pecados, especialmente aqueles que cometemos por inconsequência, sem levarmos em consideração que és recompensador de bons, mas também de maus.
Confessamos nossa pretensão quando pensamos que, por alguma razão, não receberemos como o resto do mundo a justa retribuição de nossas ações.
Confessamos também nossos maus pensamentos, em especial aqueles que distorcem seus juízos ou manipulam o seu critério, imaginando ser o Senhor arbitrário em seus julgamentos.
Confessamos, por fim, até mesmo a nossa má interpretação do que significa praticarmos boas obras, pensando ser devido aos nossos esforços por santidade que somos salvos.
Em Cristo Jesus, pedimos que nos perdoe, ó Pai, e pelo seu Espírito Santo purifica-nos de todas essas iniquidades.
Ensina-nos, pela sua Palavra, a ver que Tu és Deus que recompensa, agindo pessoalmente nas consequências de nossas ações; que Teu juízo é universal e abarca a toda humanidade; que Teu critério é uma testemunha de sua imparcialidade e que sondas as razões internas e externas de nossas obras, para nos retribuir com a verdade no tribunal de Cristo.
Além disso, pedimos que firme, ó Senhor, a nossa frágil fé em Cristo e nos capacite a termos uma vida cheia de boas obras; obras que darão provas de uma fé autêntica. Na esperança de que Tu nos guardará, firmará e capacitará é que aguardamos, com confiança, o juízo final.
Amém."
Fernando Razente
Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.