Lilo & Stitch
Já faz um tempo que a Disney perdeu a mão na produção das versões em live-action de seus clássicos. O que começou muito bem, chamando atenção e rendendo elogios, ao longo dos últimos anos passou a colher inúmeras críticas, seja pela falta de profundidade dos roteiros, pelas escolhas controversas de elenco ou pelos problemas técnicos, inclusive de CGI. Entretanto, não são os críticos que lotam as salas de cinema, mas sim os fãs, que continuam a consumir avidamente todas as novas e velhas produções da Disney. Na última semana, chegou aos cinemas mais um live-action da Disney, desta vez não um clássico com princesas, mas uma obra contemporânea, tocante e recheada de vibe familiar. Na Coluna Sétima Arte desta semana, vamos falar um pouco sobre Lilo & Stitch, agora em sua versão live-action.
Parece que foi ontem o longínquo ano de 2002 quando saí num sábado chuvoso e fui de carona, com os amigos, ao cinema para assistir o lançamento da animação de Lilo & Stitch. Na época, as animações da Disney eram um evento e tanto crianças quanto adultos enchiam as salas de cinema. O filme foi um achado, divertido e de uma profundida emocional único. Rapidamente foi elevado a um clássico desse estúdio. Tanto que é quase impossível não esboçar um sorriso ao ouvir a palavra Ohana. Mais que um jargão simpático, o termo havaiano, que significa “família” e carrega a ideia de que ninguém é deixado para trás, tornou-se o coração emocional dessa adorada animação da Disney. Agora, mais de duas décadas depois, a história retorna em forma de live-action, embalando novamente o público com sua ternura, mas também provocando um déjà-vu constante e inevitável questionamento: era mesmo necessário?
A nova versão, dirigida por Dean Fleischer Camp, não foge da fórmula. Do enredo às principais cenas, tudo parece cuidadosamente replicado, como uma cópia de segurança que alguém fez para garantir que nenhuma memória da infância se perdesse no tempo. A história continua a mesma, girando em torno de Lilo, interpretada de forma muito carismática pela pequena Maia Kealoha. Lilo é uma menina havaiana órfã e solitária, criada por sua irmã Nani, vivida por Sydney Agudong, uma jovem tentando manter a guarda da caçula enquanto é tragada pelas dificuldades e responsabilidades da vida adulta. A vida das duas muda quando Lilo adota o que acredita ser um cachorrinho, mas que na verdade é um alienígena criado para destruir, o tal do Stitch (sucesso absoluto entre as crianças no ano de 2025).
Na essência, o que se apresenta é o mesmo filme conquistou o público no início dos anos 2000. O live-action preserva com zelo o enredo original, mas faz poucas apostas para reinventar a narrativa. Para alguns, essa fidelidade é uma homenagem tocante; para outros, um sintoma claro da falta de ousadia que tem permeado os remakes da Disney nos últimos anos. Em meio à tentativa de se equilibrar entre a nostalgia e a atualização, o filme se torna, ao mesmo tempo, encantador e um pouco previsível. Algo que, na minha opinião, não tem problema algum. O filme entrega o que se propôs e faz as adaptações necessárias apenas para tornar a história fluída e plausível. Ou seja, temos um personagem que desaparece de um contexto, um outro que é inserido em tal núcleo, um recurso alienígena que torna a interação dos extraterrestres mais palatável entre os humanos e voilá! Está tudo perfeito!
Um dos acertos mais notáveis desta nova versão é o aprofundamento emocional de Nani. Aqui, sua condição de adolescente sobrecarregada, que precisou abrir mão de sonhos e paixões para cuidar da irmã, é tratada com mais delicadeza e nuance do que na animação. Um detalhe simples, mas que desperta empatia sobretudo nos mais velhos que irão assistir ao filme acompanhando as crianças. Sua humanidade pulsa com mais força, e sua dor não é apenas pano de fundo para as aventuras da pequena Lilo. Há empatia também no novo olhar dado à assistente social, Sra. Kekoa, interpretada pela excelente Tia Carrere, que substitui o antigo personagem do Sr. Cobra Bubbles. Agora, a antagonista burocrática dá lugar a uma figura mais compreensiva, tornando o drama familiar ainda mais realista e envolvente.
No centro dessa tempestade emocional, brilha o relacionamento entre Lilo e Stitch. A química entre Kealoha e o pequeno alienígena animado digitalmente é um dos pontos altos do filme. O CGI, aliás, cumpre seu papel com louvor ao trazer um Stitch fofo, expressivo e convincente, equilibrando bem o cartunesco com o real. É claro que não se trata da anarquia desenfreada que víamos na animação, onde o caos era quase uma coreografia visual. Aqui, há mais contenção e isso limita um pouco a criatividade das cenas de ação. Ainda assim, o monstrinho azul segue sendo um show à parte, tanto nas travessuras quanto nos momentos mais tocantes.
Por outro lado, o núcleo alienígena, tão divertido no desenho original, parece não ter se adaptado bem à transposição para o realismo e isso já era de se esperar. A caracterização de Jumba, papel de Zach Galifianakis, e Pleakley, interpretado por Billy Magnussen, soa deslocada. Enquanto Magnussen entrega um Pleakley espirituoso e extremamente fiel ao original, Galifianakis não parece à vontade no papel do cientista maluco e fica um pouco aquém do esperado. O resultado são cenas que, embora visualmente fiéis, carecem da energia e do humor que marcaram a dupla.
Apesar dessas falhas, o live-action, diferente do que ocorreu com outras obras recentes da Disney, não chega a ser um tropeço. Ele acerta no tom, nas emoções e principalmente na mensagem. Lilo & Stitch continua sendo uma história sobre pertencimento, empatia e reconstrução após a perda. A forma como Lilo e Stitch se reconhecem na solidão do outro, ambos deslocados, ambos “estranhos demais” para os seus mundos, ainda emociona e, acredite, é capaz de arrancar lágrimas de crianças e adultos. É bonito ver como, mesmo em uma narrativa reciclada, certos sentimentos continuam universais.
Como muitos remakes recentes da Disney, este parece mais um tributo seguro do que uma releitura ousada. Há quem diga que falta o frescor da surpresa, o risco da invenção. Porém, a máxima de que “em time que está ganhando não se se mexe” foi bem aplicada aqui. O filme é bom, cumpre bem o seu papel, é tocante, talvez não tanto quanto da primeira vez, mas ainda emociona!
Por que ver esse filme? Porque Lilo & Stitch é uma obra simpática, competente e certamente encantadora para uma nova geração de espectadores. Para os fãs antigos, oferece uma viagem afetiva repleta de momentos doces, mas também reforça a percepção de que nem toda lembrança precisa ser reencenada com atores de carne e osso. Às vezes, o desenho original já diz tudo e o que resta é apenas deixar que continue fazendo seu trabalho: emocionar, divertir e lembrar que Ohana significa família. E família nunca é deixada para trás. Ou esquecida. Boa sessão!