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Foi o urubu quem não fez a sua parte


Por: Jacilene Cruz
Data: 27/05/2024
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Quando eu era criança, as histórias exerciam um fascínio que não consigo descrever. À noite, ainda sem energia elétrica onde morávamos, sentávamo-nos na esteira feita de licuri[1], no passeio[2] da casa. Era ali onde o encantado se descortinava, através da voz do meu pai.

Além do contado por Painho, os livros didáticos, dos meus irmãos especialmente, traziam narrativas que, numa época quando não havia informação na palma das mãos, eram lidas e relidas. Dessa maneira, cidades, países, continentes e mundos se deixavam conhecer.

É por uma dessas historinhas que concentro minha escrita hoje:

Haveria uma festa no céu, porém só foram convidados os animais alados. O sapo, que mal tinha pernas, afirmou veementemente que estaria presente. Lógico que foi motivo de risos e piadinhas. Nos dias de hoje, teria sido vítima de bullying. O fato é que no dia da festa, lá estava ele no céu, dançando, com suas curtas pernas, todos os ritmos. Fazendo passos tão perfeitos que provocavam inveja nos garbosos seres que podiam voar.

 Amanhecendo o dia, a rave[3] acabou e os animais voltaram para seus habitats[4]. O urubu, ora tocador, ora DJ da festa, percebeu que a sua viola estava um pouco mais pesada que o normal. Já havia notado isso na ida, mas a adrenalina não o deixou verificar o que estava acontecendo. Entretanto, agora depois de passada a euforia, decidiu ver o que fazia aquele oco instrumento um pouco mais pesado.

A sua surpresa foi tamanha. Lá estava o sapo, recolhido a um canto, quase imperceptível, voltando exausto para terra firme. Indignado e se sentido enganado, virou a boca da viola para baixo e fez o anfíbio “voar” em queda livre, se “estabacando” nas pedras.

O esperto bicho não morreu, mas ficou muito ferido. Nossa Senhora o costurou. Foi um remendo apressado, afinal ela tinha outros atendimentos. Por isso, as costas do sapo até hoje, é toda manchada. (HISTÓRIAS INFANTIS, 2024, s/p).

Saindo desse universo fantasioso e ficando nele ao mesmo tempo, em visita recentíssima à casa em que nasci, me deparei com uma imagem interessantíssima. (Peço licença, estou cheia dos superlativos absolutos sintéticos):

Fotos: Jacilene Cruz

Quando me deparei com a cena, agora real, não pude deixar de associar com a que “vi” na infância e resumi para vocês nos parágrafos anteriores. Creio que o “cururu” estava procurando um forrobodó, por isso entrou no velho regador. Talvez o tenha confundido com uma viola.

O bichinho imóvel, pousando de modelo, me fez pensar que as histórias que ouvíamos quando criança, não eram totalmente mentiras ou lendas que saíram do nada. O sapo no regador prova minha conclusão, afinal ele fez a sua parte, quem deixou a desejar foi o urubu

REFERÊNCIA

HISTÓRIAS INFANTIS. A Festa no Céu. Disponível em: https://historiasinfantis.com.br/a-festa-no-ceu/. Acesso: 18 de maio de 2024.

[1] O licuri (Syagrus coronata) é um coquinho pequeno que dá em cachos grandes, numa palmeira alta e abundante. Dessa palmeira, tudo se aproveita, inclusive as folhas, que servem na fabricação de abanos, chapéus, vassouras, esteiras etc. https://www.greenme.com.br/consumir/usos-beneficios/63206-licuri-o-coquinho-da-bahia-que-alimenta-e-cura/

[2] Área externa da casa, rente a parede, coberta.

[3] Rave é um termo em inglês para festa com muitos participantes e de longa duração, geralmente num espaço amplo, com música eletrônica de dança. https://dicionario.priberam.org/rave.

[4] O plural de habitat é habitat mesmo, decidi abrasileirar a palavra latina e acrescentar um “s” solitário no final, peço licença poética aos mais conservadores.

 

Jacilene Cruz


Anuncie com Jornal Noroeste
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