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Experiências em Minas Gerais (parte 1). Para que servem os museus?


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 26/01/2024
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Há diversos textos cuja pergunta inicial é “Para que servem os museus?”, de modo que escrever mais um texto para trabalhar essa pergunta pode se tornar apenas mais um texto. Mas, como todo indivíduo é único, e cada um se apropria do mundo e da linguagem singularmente, à referida pergunta há inúmeras respostas.

Ir a um museu pode significar, a um só tempo, descoberta do passado, sensação de pequenez do indivíduo, encontro com o presente, projeção para o futuro e erudição. O que permanece é que toda pessoa que vai a um museu geralmente não consegue absorver um milésimo do seu conteúdo. Contudo, nem por isso sai mais ignorante, ao contrário, sai com mais conhecimento de que o seu saber é uma areia diante do oceano. Mas, ao menos ela ganhou parâmetros e viu o oceano.

(Fotos: Felipe Figueira) Na imagem, fósseis de um Patagossauro, que chegava a medir 18 metros e 20 toneladas. Período Jurássico: aproximadamente 174 a 163 milhões de anos atrás. Encontrado no Sítio Paleontológico de Cerro Cóndor, Província de Chubut, Argentina.

 

Ao entrar no Museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), localizado em Belo Horizonte, a sensação é a de fazer uma viagem no tempo, desde a época Jurássica até à atual. O primeiro andar é dedicado à vida de milhões de anos atrás, por meio de fósseis de dinossauros; o segundo é devotado em especial ao naturalista Peter Wilhelm Lund (1801-1880); e o terceiro tem como foco a fauna exótica da atualidade. Eu admito que saí desse local sem saber um milésimo do que ele tinha para oferecer, mas, nem por isso, saí mais ignorante do que entrei.

Fóssil de um Purussaurus, cujo exemplar mede 13,5 metros e foi encontrado no Acre. Pesava entre 8 a 10 toneladas. O primeiro fóssil foi encontrado em 1892 pelo naturalista João Barbosa Rodrigues, no rio Purus no estado do Amazonas. Idade: cerca de 10 milhões de anos (Mioceno).

Como os dois parágrafos anteriores têm como mote a ignorância e o conhecimento, convém explorar esses conceitos que, na verdade, são constelações.

         Entrar em um museu é uma descoberta em relação ao passado. Dizer isso pode parecer banal, mas não é. Descobrir o passado não é algo trivial, pois é difícil sair do tempo presente. Pobre de quem vai a um museu e não se dá uma experiência de imersão no passado: perdeu tempo. O passado só se deixa capturar por quem a ele se dá, isto é, por quem busca olhá-lo de verdade, observando os detalhes.

Busto de Lund no Museu de Ciências Naturais

Escrivaninha de Peter Lund

Pelo fato de se colocar lado a lado com um Purussaurus, ou mesmo com um elefante ou uma girafa, o indivíduo percebe a sua fraqueza animal. Se não fosse pela racionalidade, algo que Nietzsche tanto criticou, o ser humano seria fraquíssimo. E, na verdade, quanto mais cultural é a espécie, mais dependente de cuidados ela é. Sendo o ser humano geralmente produto de culturas, ele, por consequência, é dependente de cuidados. Além da pequenez cultural, há a pequenez de saber: é quase nada o que um indivíduo pode chegar a conhecer. Todavia, basta um contato de uma hora apenas com o trabalho de Peter W. Lund para ver a grandeza do seu saber, e o que foi possível outrora bem pode ser possível hoje.

         Quando se está em um museu, também, há um encontro com o presente e com as indagações: “Eu sou o resultado de todo esse processo? Eu sou um acidente? Eu sou parte da perfeição da natureza e de Deus?” Como a vida não se dá ao acaso, como ela não surge do dia para a noite, o presente pode ser visto como um presente e como uma surpresa. “Eu existo, e agora?” É pobre demais simplesmente se resignar e deixar que a natureza, por mais força que possua, nos imponha tudo. Isso significa destruí-la para demonstrar superioridade? De modo nenhum, pois isso seria prova cabal de mediocridade, mas, significa olhar o presente para além do “aqui agora”, tendo em vista que se há o hoje provavelmente haverá o amanhã. Ninguém pode destruir nada. Utopia? Talvez.

         Uma vez que se está diante do passado e se está no presente, a pergunta que se impõe é: “Também eu serei peça de museu?” A resposta mais provável é que sim, não de modo literal, mas metaforicamente. Já há roupas em museus, bem como ossadas. E, mais do que o imediatismo do ser humano, o que se pode questionar é: “O que será do homem daqui a trinta milhões de anos?” Talvez a Terra não resista a tanto tempo, mas, esse exercício intelectual é válido, pois o ser humano é uma poeirinha da poeira.

         Por fim, também vale a pena ir a um museu enquanto exercício de erudição e enquanto instrumento pedagógico. Talvez essa seja uma perspectiva utilitarista, mas ela tem o seu sentido. É bom conhecer o que se tem em um museu, nem que seja para, diante de uma conversa, citar conteúdos diferentes. Essa também é uma forma de preservação do saber diante de um cenário que preza mais por mercadorias do que por saberes. E também enquanto instrumento pedagógico, pois um museu é um ótimo lugar para se educar a humanidade, a exemplo das crianças. No caso de um Museu de Ciências Naturais, é possível ver a criatividade de formas da natureza, o que desperta curiosidades e imaginações. Um dos pilares da vida intelectual é a curiosidade.

         No caso do Museu da PUC-MG ainda há um adicional, que é a quantidade expressiva de trabalhos e objetos de Lund. Esse naturalista era de origem dinamarquesa, e, para título de curiosidade, era primo do filósofo Søren Kierkegaard (1813-1855). Após estudar na Dinamarca e na Alemanha, veio para o Brasil e, fruto dessa vinda, que se estendeu por décadas, diversas espécies foram descobertas. Segundo informações do próprio Museu: “Na primeira metade do Século XIX, Peter W. Lund, pai da paleontologia brasileira, descobriu, na região de Lagoa Santa (MG), 22 novas espécies de mamíferos extintos no Pleitosceno final (entre 30.000 e 11.000 AC). Os holótipos destas espécies estão no Museu de Zoologia de Copenhague.”

         Em minhas pesquisas sobre a Segunda Guerra ou sobre os refugiados venezuelanos, escutei: “Por que você não estuda algo da sua cidade?” Essa objeção é mais impertinente do que científica, pois, feita sob o olhar do “aqui agora”, despreza o fato de que o ser humano pode sair de sua terra e voar. Não significa, ao contrário, ser superficial ou artificial, pois isso sim seria algo raso cientificamente, mas, uma vez que o ser humano tem a oportunidade de se encontrar com o passado, mesmo estando no presente, e também de imaginar o futuro, é próprio de quem trabalha com o intelecto, ainda que só saiba um milésimo de determinado saber, querer ir além. Museus são ótimas formas do ser humano ir além do imediatismo do presente, o que se torna patente o seu caráter pedagógico.

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Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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