É possível a construção da verdadeira cidadania?
Nesta nova exposição de ideias, buscamos propor uma reflexão a respeito da questão formulada no título deste texto, destacando os direitos humanos e sua relação com a cidadania, frente ao crescimento do número de desfiliados ou párias sociais, desprovidos de direitos a ter direitos por não serem reconhecidos como cidadãos. Em nossa tradição política, o ser humano sempre foi considerado como um valor ético fundamental, e a partir do século XVIII, com a revolução francesa, a declaração dos direitos humanos passou a indicar o modo como o ser humano teria, igualmente, proteção jurídica e afirmação política no sentido de cidadania. A declaração universal dos direitos humanos, após a II Guerra Mundial, configurou-se como princípio para promoção da igualdade e liberdade entre os homens. Os direitos civis e políticos passaram a ser reconhecidos no elenco de direitos humanos. Além destes, também os direitos econômicos, sociais e culturais, representando os direitos de toda uma concepção de humanidade compreendida hoje como novo sujeito de direitos no plano mundial globalizado. Os direitos humanos teoricamente representam à cristalização do supremo princípio da dignidade da pessoa humana.
No âmbito político, a promulgação e aplicação dos direitos humanos representam uma promessa de construção de cidadania para todos os indivíduos. Inclusive, os direitos das crianças e adolescentes, presentes em estatutos muito bem elaborados em cartilhas e propalados em discursos. Hannah Arendt ressalta que o primeiro direito para se ter qualquer direito, é o de pertencer pelo vínculo da cidadania, a algum tipo de comunidade juridicamente organizada e viver numa estrutura onde se é julgado por ações e opiniões, por obra do princípio da legalidade (Lafer, 1988, p.148). Claro que Arendt faz esta afirmação devido à experiência dos regimes totalitários onde de nada valiam os direitos do ser humano, que pode ser “eliminado” como se fosse algo e não alguém. Quando nos referimos aos direitos humanos, fica difícil de não associá-los às sociedades democráticas modernas. Mas mesmo nas estruturas políticas não totalitárias, ocorre a descartabilidade de seres humanos ao nível de sem direitos a ter direitos e assim, colocados à margem da cidadania. Com certeza os discursos oficiais de promulgação dos direitos humanos operam a redução do sentido de cidadania a uma mera condição de representação, sem maiores consequências práticas na política e no social. Mais inquietante ainda é como se pode explicar a descartabilidade do ser humano, mesmo no ambiente de sociedades que se denominam e reconhecem como democráticas.
Questionamentos essenciais necessitam ser formulados, como por exemplo: Como exaltar os direitos humanos, enquanto propiciadores de igualdade e justiça, se a quantidade de “párias sociais” ou “indivíduos a margem da cidadania”, se faz cada vez mais presente nos Estados democráticos modernos. Muitos crianças e jovens engrossa um denominado “refugo humano”. Então o que significa ser cidadão? Como nos confrontamos com o sentido prático da verdadeira cidadania? Será que a forma como a cidadania é interpretada e propalada pelas estruturas sociais e políticas permite o reconhecimento do “refugo” de tantos indivíduos postos à margem? São questões desafiadoras para a interpretação dos direitos humanos e sua relação com o exercício da cidadania e para o fortalecimento das sociedades democráticas.
LAFER, C. A Reconstrução dos Direitos Humanos. Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
Rogério Luís da Rocha Seixas
Rogério Luís da Rocha Seixas é Biólogo e Filósofo Docente em Filosofia, Direitos Humanos e Racismo Pesquisador do Grupo Bildung/IFPR e-mail: rogeriosrjb@gmail.com