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Cultura da facilidade e a morte da erudição


Por: Fernando Razente
Data: 26/07/2023
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 “O espírito cresce e a virtude se renova por meio da ferida”

— Friedrich Nietzsche (1844–1900), filósofo e filólogo alemão.

 

“Não é preciso muito esforço para perceber que o que é digno de ter, mesmo nos prazeres todos, há uma porção de dor [...] que precisa ser preservada”

— G. K. Chesterton (1874–1936), jornalista, romancista e ensaísta inglês.

 

Quando não nos esforçamos intelectualmente na busca pela verdade, sucumbimos ao espírito de nossa época: preguiçoso, superficial e pseudo relevante. Quando a facilidade — advinda da acessibilidade digital e outros recursos bons em si mesmos — e a preguiça intelectual se unem, somos tentados a moldar o ensino e o aprendizado de acordo com as tendências do ‘palco das vaidades’ do mundo pós-moderno: as redes sociais.

Minha experiência como professor me leva a crer que a enorme defasagem na educação formal básica no Brasil e o desinteresse da juventude por uma vida intelectual de estudos podem ser explicados pelo fator facilidade. O antiintelectualismo dos jovens brasileiros é resultado de uma enorme facilidade contemporânea em poder acessar e opinar, mesmo que às custas de um viver apenas na superfície do real conhecimento.

Afinal, nossos jovens vivem em uma época onde qualquer um pode, de um dia para o outro, ser considerado especialista em um assunto desde que tenha milhares de seguidores no Twitter, Youtube ou Instagram. Qualquer um pode dizer o que acha sobre qualquer assunto sem qualquer responsabilidade conceitual. Se qualquer um pode ter uma bancada, uma rádio, um canal e falar sobre o que quiser e ganhar muita grana com isso, por que passar longos anos a fio estudando as profundidades do conhecimento científico independente de status, fama ou retorno financeiro?

Esse contínuo afastamento da dor, do sofrimento, da disciplina e dos anos de estudo para ter propriedade — e não curriculo — para escrever, produzir, falar, opinar e criar ideias genuinamente consistentes, gerou uma geração de jovens brasileiros pseudo intelectuais que tentam conciliar leituras superficiais com o anseio de ser influente e decisivo na cultura (o quanto antes!).

No entanto, não há como torcer ou manipular o caminho que foi aberto para ser desfrutado por métodos rigorosos; e sobre uma genuína vida de estudos e ensino, permanece a máxima de que a “(...) verdade só se dá a quem já está despojado e muito decidido a dedicar-se exclusivamente a ela”, conforme declarou o padre tomista Antonin -Dalmace Sertillanges (1863-1948). Não alcançará a verdade quem deseja a mera relevância cultural.

Esse nosso problema cultural não é só ‘nosso’ e nem é de hoje. O historiador das ideias Isaiah Berlin (1909–1997), na década de 1940, rastreou no Centro de Pesquisas Russas de Harvard (EUA) uma ‘doença’ que contaminava cada vez mais os jovens estudantes daquela geração. Que ‘doença’ era aquela? Era a maneira infantil de acreditar que a felicidade só é completa quando há ausência de sofrimento em qualquer área.

A conclusão acertadíssima de Berlin é que, devido a essa filosofia da facilidade, muitos jovens não entendem que para que seja digna de ser vivida, a vida da mente necessita de uma boa dose de renúncia e sofrimento. Sofrimento? Quando foi que você, aluno ou professor, ouviu uma palestra falando sobre a necessidade de sofrimento, dor e lágrimas para aprender ou ensinar? Não na nossa cultura da facilidade. Ainda assim, a ‘parcela de dor’ e ‘ferida’ no espírito são caminhos sine qua non para o surgimento do erudito, do especialista, do littérateur — de fato e não meramente curricular — escassos em nossa geração.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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