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Bibliografia atualizada


Por: Fernando Razente
Data: 15/08/2023
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Um clássico pode tornar-se irrelevante à pesquisa e produção na medida em que uma banca examinadora ou um orientador creiam que o tempo seja o melhor critério de ciência acadêmica. Isso resume o discurso comum de bancas examinadoras em volta de uma necessária ‘bibliografia atualizada’. Mas ser atual não é sinônimo de ser verdadeiro.

Por exemplo: uma massa de textos foi publicada a respeito do filósofo alemão Kant nos últimos 100 anos – o que faz dele um dos autores mais lidos e mais comentados em toda a história da filosofia. Agora imagine um estudante de Filosofia que citasse em seu trabalho de conclusão de graduação apenas textos sobre Kant escritos antes de 1950. Posso imaginar a repreensão da tutora ou de toda a banca examinadora pela falta de “bibliografia atualizada”.

Por esse critério, as obras do professor Ernst Cassirer (1874-1945) — especialmente a obra Kant: vida e doutrina, de 1918, publicada no Brasil pela Editora Vozes em 2021 — não poderiam constar em uma lista de referências bibliográficas que se queira respeitável. Afinal, é um autor antigo, e, portanto, desatualizado. E aqui está o pressuposto da ideia de uma bibliografia atualizada: que tudo que foi escrito no passado, tornou-se ultrapassado qualitativamente. Isso pode até ser verdade para alguns conteúdos, mas não chega a ser um critério seguro e definitivo para orientação ou produção de pesquisas.

Há um outro critério que creio ser mais seguro para avaliar com rigor um trabalho (e este tem sido o meu método como professor): uma bibliografia justificada. Se um aluno apresenta um trabalho e sua bibliografia contém teses e argumentos que não se preocupam ou nem alcançam a justificação racional (Cf. Teeteto, Platão), não me importará o quanto for atualizada ou até mesmo antiga, não poderá ser aceita em hipótese alguma como base segura para a pesquisa.

Toda investigação literária precisa ter como fundamento uma bibliografia justificada, que não se esconda no mantra da diplomação, do tempo ou da autoridade injustificada: “É uma obra de Oxford!” ou “É uma autoridade no assunto!”. Isso definitivamente não é relevante para a defesa de teses e argumentos. O que interessa é: a obra apresenta justificação racional para as teses que defende? Se sim, é um bom livro para se usar na bibliografia. Essa bibliografia justificada, portanto, precisa ser explícita ao apresentar toda e qualquer prova ou causa que confirme a veracidade e a ocorrência de um fato presumido.

Todavia, uma ‘bibliografia atualizada’ que assim seja simplesmente por ser mais aceita devido ao contexto cultural mas que não respalda uma suposta hipótese de algum conhecimento, é uma bibliografia inútil para a pesquisa científica. Na verdade, é anticientífica.  A mera atualização de um produto não confere valor positivo a ele. A atualização de muitos filmes, por exemplo, estragaram o prazer estético que o original conseguia proporcionar.

A atualização como critério de valor, seja para obras literárias ou para ideias políticas e filosóficas já fez muitos estragos na sociedade, como na Alemanha a partir de 1933. A menos que por ‘atualizada’ estejamos dizendo ‘uma bibliografia com informações mais seguras, comprovadas e justificadas que as anteriormente disponíveis’, a ideia de ‘atualização bibliográfica’ permanece anticientífica e subserviente ao espírito da época.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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