Amores Materialistas
A Coluna Sétima Arte dessa semana começa dando destaque ao ator mais badalado do momento, Pedro Pascal. O ator chileno conquistou não somente os americanos, mas todo o mundo, primeiro na TV e agora no cinema. Tanto isso é verdade que ele está em cartaz no cinema em nada menos do que três filmes ao mesmo tempo. O mais recente deles, a grande estreia dessa semana. Sobre Amores Materialistas, uma comédia romântica no melhor estilo dos anos 1990, mas com os pés fincados na atualidade, você vai ficar muito bem informado essa semana.V
Em tempos de relações líquidas, como propôs o sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman, os laços humanos tornaram-se mais frágeis, flexíveis e descartáveis, ou seja, tudo é moldado pela lógica da velocidade, do consumo e da incerteza. Nessa “modernidade líquida”, tudo que antes era sólido (inclusive o amor) parece escorrer pelos dedos, sujeito às oscilações do mercado e aos algoritmos dos aplicativos. É nesse cenário que se insere Amores Materialistas, novo filme de Celine Song, que não apenas reflete, mas quase disseca essa nova forma de amar: calculada, conveniente e, ainda assim, desesperadamente humana. Esqueça aquela doçura nostálgica de Vidas Passadas, sucesso anterior da diretora, pois essa nova obra mergulha de cabeça no concreto, ou melhor, no capital dos relacionamentos modernos.
Em Amores Materialistas, o amor não é bem um sentimento, ele é um projeto, uma planilha emocional cuidadosamente estruturada entre renda anual, compatibilidade de estilo de vida e projeções de estabilidade. É dentro desse cenário que conhecemos Lucy, vivida com sutileza irônica por Dakota Johnson, uma casamenteira de elite que, enquanto organiza os casamentos dos outros, tenta equilibrar os próprios afetos (e dívidas). Ela é a arquiteta de romances “perfeitos” para uma clientela que trata o amor como investimento. Sim, o amor virou um tipo de investimento!
Celine Song oferece uma narrativa que, apesar de vestir a fantasia das comédias românticas clássica dos anos 90, revela-se muito mais um estudo de caso sobre o entrelaçamento entre desejo e mercado. Em vez de uma história de amor açucarada, o que se apresenta é um retrato agridoce de um mundo onde até os sentimentos mais profundos são filtrados por algoritmos e condições financeiras.
No centro do enredo, além de Lucy, está o clássico triângulo amoroso, com uma pegada mais reflexiva que romântica. De um lado, temos Harry, papel do aclamado Pedro Pascal, que é um milionário encantador. Ele representa o “par ideal”, pois é estável, maduro e financeiramente confortável. De outro lado, está John, interpretado por Chris Evans, o ex-namorado artista, que ainda serve drinks enquanto tenta emplacar a carreira de ator. Não é apenas um dilema entre dois amores, mas entre dois modos de existir: o amor como segurança e o amor como risco. E ambos parecem ter um preço.
Pedro Pascal encarna Harry com a tranquilidade de quem já sabe que seu rosto inspira confiança e sucesso. Sua presença é ao mesmo tempo encantadora e genérica, algo que reforça o estereótipo do parceiro perfeito. Já Evans surpreende ao deixar o escudo do Capitão América de lado e abraçar um personagem mais falho, vulnerável e humano. É interessante vê-lo em um papel que exige mais hesitação do que heroísmo. Sua atuação, contida e levemente melancólica, é um dos destaques do longa, algo que acabou me surpreendendo, pois sempre tive para mim que ele não seria capaz de atuar em outros papeis senão o de herói, queimei a língua!
A direção de Song acerta ao traduzir visualmente esse dilema afetivo-econômico. Com a fotografia dividida entre os enquadramentos rígidos e bem compostos quando Lucy está com Harry, e a câmera mais solta e naturalista quando ela reencontra John, a narrativa ganha um subtexto visual inteligente. Nova York, que em muitos filmes do gênero é apenas uma moldura romântica, aqui é personagem: vibrante, barulhenta, impiedosa. Uma cidade onde o tempo é dinheiro e o amor, às vezes, também.
O roteiro de Song equilibra bem ironia e melancolia. Há diálogos afiados, momentos de silêncio incômodo, piadas sutis que funcionam mais como reflexo de uma geração do que como alívio cômico. O humor, nesse caso, não é leveza, mas sim desespero bem disfarçado. E essa é a beleza do filme, ou seja, rir para não chorar diante da constatação de que amar, hoje em dia, pode significar apenas preencher um formulário com pré-requisitos emocionais e financeiros.
Entretanto, Amores Materialistas não é isento de tropeços. Há uma virada dramática no terceiro ato que causa um certo desconforto, pois parece estar deslocada. Um acontecimento extremamente violento atinge uma personagem periférica e serve apenas como gatilho para a epifania de Lucy. A crítica correta seria: precisava mesmo disso tudo para chegar a uma conclusão tão previsível? Aqui, o filme escorrega e parece perder o tom. A tentativa de adicionar profundidade soa forçada e artificial, destoando do resto da construção narrativa.
Ainda assim, o longa se sustenta pela inteligência com que desmonta os clichês que escolhe usar. Há ecos de comédias românticas clássicas, sim, mas não há concessão ao final feliz ingênuo. Em vez disso, Celine Song entrega um final incômodo e honesto: um amor que talvez não dure para sempre, mas que existe enquanto pode, do jeito que dá.
Por que ver esse filme? Vale a pena ser visto, porque Amores Materialistas resume bem o espírito de um tempo em que os sentimentos são cotados como ações na bolsa. Em que o “match ideal” pode ser mais sobre a planilha do que sobre a poesia. E ainda assim, o filme consegue manter vivo, por meio de muito esforço, um resquício de esperança romântica. No fim, o longa se revela como um híbrido curioso, porque é parte sátira social, parte romance desencantado. Um filme que entende que amar, hoje em dia, exige mais do que coragem. Exige crédito! E que talvez o maior gesto de amor seja simplesmente aceitar que ninguém cabe totalmente em nenhuma planilha. Boa sessão!