A vocação
Em uma viagem para o Rio de Janeiro, ouvi as seguintes palavras de um motociclista que fazia entregas para uma lanchonete:
- Estou cansado de andar de moto e fazer entregas. Eu sonho em mudar de vida.
Isso o homem, de cerca de cinquenta anos, disse ao me ver com a camiseta do IFPR. Eu aproveitei para estender o assunto e incentivá-lo, afinal, palavras de ânimo são bem-vindas. Contudo, eu sei que há mudanças fáceis de serem realizadas, outras difíceis e outras impossíveis (ou quase).
Ao ouvir o cansaço do desconhecido, toda uma história se passou pela minha mente. Meu pai também estava cansado da vida que levava como vendedor, até que faleceu; minha mãe se cansou da vida de diarista e passadeira, até que, com a morte do meu genitor, se tornou pensionista. Já eu, eu nunca me cansei de ser professor, por dois motivos: por gostar do que faço e por trabalhar em uma excelente instituição.
Eu tenho plena noção do quão privilegiado eu sou e eu gostaria que todos tivessem a vida profissional que eu tenho. Porém, infelizmente, há pessoas que mesmo tendo a vida semelhante à minha, reclamam. Ou estão cegas para a vida, ou surdas, ou sem ambos os sentidos, porque há pessoas com condições difíceis, até impossíveis de se viver – vide os moradores de rua, que brotam de todos os lados no Rio, mas que não são um fenômeno exclusivo da capital carioca.
A vocação é algo complexo e que todos devem buscar. Visar apenas o dinheiro é sinal de pobreza, o que não significa uma apologia à miséria. Na verdade, como dito anteriormente, eu gostaria que as condições de vida de todos fossem melhores, pois isso leva à dignidade. Porém, em um nível ideal, uma vez que a pessoa faz o que se sente chamada – pois as profissões também chamam por seus realizadores – e tem condições para realizá-la com satisfação, deve valorizar o que possui, pois isso é um privilégio. Nesses termos, é preciso se contentar com o que tem – o que não significa cruzar os braços e só dizer “sim” -, pois viver o que lhe é natural (vocação) é uma dádiva.