A relevância do jusnaturalismo de Locke para o direito brasileiro
Aluno: Lucas Amaral[1]
Orientador: Prof. Fernando Razente[2]
“Toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens.” (LOCKE, J. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.)
Neste bimestre, nas aulas de Filosofia Política com o Prof. Fernando Razente, estive estudando autores clássicos do contratualismo, como o inglês John Locke (1632-1704). Dentre as muitas facetas intelectuais de Locke que foram trabalhadas em sala, chamo a sua atenção, caro leitor, para a questão do jusnaturalismo de Locke e sua relevância para o sistema jurídico brasileiro.
O jusnaturalismo — também conhecido como Direito Natural — é uma corrente filosófica que busca fundamentar o direito em princípios universais e imutáveis. Na figura de John Locke, na sua famosa obra Dois Tratados Sobre o Governo Civil (1689), o Direito Natural significa tudo aquilo que a humanidade, individualmente e de forma igual, nasce com e que, portanto, antecede a existência de qualquer Estado Civil.
Essa ideia de Locke é baseada na sua crença de que haviam leis e princípios universais que à semelhança das leis da natureza, não foram geradas ou condicionadas por qualquer instituição, e sendo antecedentes a elas, precisa ser protegida e respeitada antes que criada ou usurpada. Esses direitos são, especialmente: vida, liberdade e propriedade.
Para Locke, portanto, se o Direito Natural antecede o Estado Civil, as leis e o aparelho burocrático estatal devem ter a função primordial de trabalhar não para promover novos direitos, mas para resguardar de ameaças aos direitos naturais. O Estado, dessa forma, seria o guardião das liberdades individuais, da vida humana quando ameaçada e da propriedade (bens móveis e imóveis e integridade física e psíquica).
E como isso pode ser relevante para o sistema jurídico brasileiro? Pensando nesta situação, devemos partir da Carta Magna da sociedade civil brasileira, isto é, a Constituição Federal de 1988. Com base numa rápida leitura, percebemos que a mesma reconhece certos direitos fundamentais aos indivíduos que são similares aos princípios do Direito Natural de Locke, como o da propriedade e vida:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)
No entanto, embora a CF de 1988 reconheça a propriedade como um direito fundamental, ela estabelece outros princípios jurídicos de natureza positivista que parecem não emanar do jusnaturalismo, mas de regras culturalmente relativas e subjetivas, que por sua vez, nublam e minam a força dos Direitos Naturais, como no caso da propriedade, o estabelecimento da função social e no caso da liberdade, o estabelecimento de limitadores da liberdade de dizer o que se pensa.
Por isso, penso que ao trazer a teoria jusnaturalista de Locke para o direito brasileiro e incentivar a prática da dedução do direito positivo por direitos naturais, podemos fortalecer os fundamentos coerentes do sistema jurídico e basear os direitos fundamentais naquilo que reflete a realidade de condições inerentes à natureza humana e que, por isso, não podem ser arbitrariamente violadas por qualquer outro indivíduo, instituição ou governo.
Por fim, reconheço ser necessário interpretar a teoria jusnaturalista de Locke à realidade brasileira, considerando os aspectos sociais, políticos e culturais específicos do país. A aplicação dessa perspectiva necessita de equilíbrio entre a busca pelos princípios éticos universais como a da inviolabilidade da propriedade e a consideração das características e necessidades locais a que um Estado precisa administrar. Uma adaptação da teoria jusnaturalista ao contexto brasileiro é fundamental para uma aplicação coerente e eficaz do Direito, oferecendo uma base filosófica sólida para a compreensão dos direitos individuais e sua relação com o Estado.