A queda e a nossa noção de humanidade
Quando nos debruçamos sobre o nosso momento presente, podemos captar uma espécie de sentimento de “queda” em diversas e diferentes práticas do modo de existirmos enquanto seres humanos. Na condição de constituidores de nossa noção de Humanidade. Queda referente especialmente as relações que estabelecemos entre nós e com o Ser Terra. Penso que tal questão, nos provoca não apenas a repensar de forma crítica e concreta essa noção de Humanidade, como também ampliar e talvez modificar a nossa visão a respeito deste conceito, visando inclusive ampliá-lo, buscando uma maior percepção em torno do reconhecimento da diversidade e o respeito a alteridade.
Afinal, a concepção de Humanidade, formulada ainda com base no ideário ocidental, eurocêntrico, excludente e homogêneo, necessita ser inquirida e confrontada por outras perspectivas de Cosmovisão de Mundo, principalmente quando estendemos a relação de Humanidade com o Ser Terra, aventando-se para se pensar e evidenciar de modo ativo, a condição de diversidade de modos de ser.
Aílton Krenak, em seu livro intitulado “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, coloca a temática de que esta Humanidade que marca o nosso modo de existência atual, encontra-se em queda. Citando Krenak: “Talvez estejamos muito condicionados a uma ideia de ser humano e a um tipo de existência. Se a gente desestabiliza esse padrão, talvez a nossa mente sofra uma espécie de ruptura, como se caíssemos num abismo. Quem disse que a gente não pode cair? Quem disse que a gente já não caiu? (KRENAK, 2029, p. 57).
Embora, pareça pessimista, o questionamento elaborado por Krenak, inserido em uma tradição própria de um povo originário ou denominado como indígena, nos desafia a questionar a nossa concepção de Humanidade e de Ser Humano, que nos faz crer em um modo de ser quase indestrutível, inatingível, nos encontrando fixados em nossa cosmovisão de seres racionais quase ilimitada, inebriados pela tecnociência considerada poderosa, além de nossa arrogância de intervir e tentar controlar tudo, muitas vezes sem medir as consequências.
Krenak faz alusão ao Antropoceno, quando observa que: “O nosso apego a uma ideia fixa de paisagem da terra e de humanidade ´e a marca mais profunda do Antropoceno” (KRENAK,2019, p. 46). Ora! Neste ponto, segundo Krenak, estabelece-se uma desintegração desta Humanidade com o Ser Terra. Como ressalta o pensador: “Do nosso divórcio das integrações e interações com nossa mão, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos nós” (KRENAK, 2019, p. 40)
Krenak alerta que a nossa noção de Humanidade deve ser ampliada e reconhecer a riqueza da diversidade, objetivando ressignificar a nossa própria existência, possibilitando talvez adiar a nossa caída em um abismo insensato, a partir de nossa maneira cada vez menos humana de ser. Como afirma o autor: “Definitivamente não somos iguais, e é maravilhoso saber que cada um de nós que está aqui é diferente do outro, como constelações. O fato de podermos compartilhar esse espaço, de estarmos juntos viajando, não significa que somos iguais; significa exatamente que somos capazes de atrair uns aos outros pelas nossas diferenças, que deveriam guiar o nosso roteiro de vida. Tal diversidade, não isso de uma humanidade com o mesmo protocolo. Porque isso até agora, foi só uma maneira de homogeneizar e tirar nossa alegria de estar vivos” (KRENAK, 2019, p. 33)
Rogério Luís da Rocha Seixas
Rogério Luís da Rocha Seixas é Biólogo e Filósofo Docente em Filosofia, Direitos Humanos e Racismo Pesquisador do Grupo Bildung/IFPR e-mail: rogeriosrjb@gmail.com