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A Lenda de Candyman


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 26/08/2021
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Aos poucos o mundo parece estar voltando aos eixos e isso pode ser sentido também no setor cultural. Nas últimas semanas grandes obras foram lançadas no cinema e, surpreendentemente, contaram com bilheterias razoáveis, mesmo para tempos de pandemia. Essa semana não seria diferente, mais um filme que foi adiado por causa da pandemia de COVID e que gerou muita expectativa estará disponível na tela grande. Trata-se da retomada de um clássico do terror dos anos 1990. Essa semana a Coluna Sétima Arte será dedicada ao filme A Lenda de Candyman, uma obra que reverencia o slasher, mas que flerta com o cult.

Esse pobre mortal que vos escreve é fruto de uma geração que cresceu assistindo e amando ao subgênero slasher (aqueles filmes com assassinos psicopatas que matam aos montes e aleatoriamente). Halloween fez história com esse subgênero, abrindo as portas para outros filmes dessa mesma linha que, geralmente, possuíam baixo orçamento, mas muita criatividade. Ao longo dos anos 1980 essas obras foram muitas e icônicas, de maneira que, na década seguinte (época em que eu era adolescente), esse subgênero ainda tinha fôlego o suficiente para criar grandes clássicos, dentre eles O Mistério de Candyman, de 1992.

Em 1992 eu ainda era muito jovem para apreciar esse tipo de filme, mas anos mais tarde, ainda na minha época de locadora (saudades, bons tempos!), tive a oportunidade de vê-lo e sofrer com seu clima sombrio, suburbano e cheio de tensão. Esse clássico do terror B era fruto de sua época e abordava a curiosidade latente em torno das lendas urbanas a partir do olhar de uma mulher branca sobre uma comunidade negra da periferia de Chicago (lembre-se que nessa época Hollywood ainda estava sob os impactos dos grandes filmes de Spike Lee envolvendo as temáticas sobre o racismo e a cultura negra – Faça a Coisa Certa era de 1989 e Malcon X foi lançado no mesmo ano, em 1992).

Nesse ponto, você deve estar se perguntando, se esse filme foi tão relevante para o gênero terror, porque eu não me lembro dele ou porque não teve várias sequências, como Sexta-feira 13 ou Pânico que eram da mesma época? Acredito que dois pontos convergiram para isso. Primeiro o subgênero slasher se desgastou demais e começou a entrar em decadência aos poucos, tanto que na década de 2000 esses filmes já estavam completamente fora de moda. Segundo, o terror B se tornou um subgênero voltado mais para adolescentes do que para adultos (veja a franquia nico) e histórias que não giravam em torno de adolescente acabaram ficando em segundo plano.

O tempo passou, o mundo mudou, o slasher sobreviveu e outros dois fenômenos colaboraram para que a história sobre a entidade Candyman voltasse à moda. O primeiro é Jordan Peel, o artista super versátil com seus filmes de terror/suspense recheados de tensão e com críticas contundentes ao racismo. Segundo, os movimentos de conscientização, tais como #OscarSoWhite ou o Black Lives Matter, só para citar alguns. Diante disso, trazer de volta Candyman e talvez fazer dele uma franquia se tornou algo não apenas aceitável, como, a meu ver, necessário.

Dessa forma, Jordan Peel assumiu a produção do filme e juntamente com Win Rosenfeld o roteiro dessa nova obra, que dá continuidade aos acontecimentos do filme de 1992. Já a direção ficou a cargo de Nia DaCosta, isso porque o próprio Peel afirmou que ele era obcecado demais pela história original e temia que isso pudesse influenciá-lo no desenvolvimento do novo longa. No entanto DaCosta, que dirigiu Capitã Marvel, tem todos os pré-requisitos para fazer da sequência de Candyman um grande filme. Ela conhece bem a comunidade negra americana, suas lutas e desafios, além disso, sua forma de fazer cinema é muito peculiar, pois traz o refinamento de um filme cult, com o ritmo, o encantamento e a tensão próprios de um filme de terror.

O filme apresenta todo o seu refinamento em questões técnicas muito sutis, mas que fazem toda a diferença, com por exemplo, o trabalho de fotografia, os ângulos de câmera e a construção das cenas. Além disso, o uso das sombras e uma acertada inserção de desenhos constroem uma teatralidade ímpar à obra, o que faz com que ela, com comentado anteriormente, flerte com o cult.

Dessa forma, a direção não poderia ter ficado em melhores mãos e tudo indica que essa será a obra que irá catapultá-la para o status de grande nome do cinema da atualidade. O enfoque do filme dirigido por DaCosta é completamente diferente do seu antecessor de 1992. Em O Mistério de Candyman o público acompanhava uma protagonista branca e acadêmica, ou seja, de outra realidade cultural e social, o que podia ser compreendido como um olhar externo. Já em A Lenda de Candyman o expectador acompanha um casal típico do mundo das artes, uma galerista e um pintor com bloqueio criativo, em meio a um problema de relacionamento e que, durante um jantar, se deparam com a lenda de Candyman. O roteiro e direção desenvolvem esses personagens a partir de temas sociais pertinentes, mesmo a partir de um fio condutor com base sobrenatural. Problemas típicos do nosso tempo e que envolvem as questões raciais, tais como, apropriação cultural, processo de gentrificação e violência policial estão presentes e são levados à cena por atores negros e com uma diretora negra, que conhecem cada um desses problemas profundamente e impõem seriedade e peso à obra.

A valorização de cada personagem, inclusive daqueles que não são protagonistas, fazem a diferença ao longa da trama e permitem ao expectador uma imersão na vida e na realidade contemporânea daquelas pessoas. Cabe a eles guiar o expectador sobre os caminhos da história de Candyman, pois cada descoberta de um personagem também é uma descoberta para o próprio expectador. Por isso, fica a dica, se você não viu O Mistério de Candyman, de 1992, não há problema algum, pois você conseguirá acompanhar o novo filme tranquilamente. Mas se você quiser vê-lo, melhor ainda, porque as histórias se conectam e se complementam muito bem.

O elenco conta com Yahya Abdul-Mateen II e Teyonah Parris (você lembra dela de WandaVision) como casal principal, mas ainda tem o suporte de Nathan Stewart-Jarrett, Kyle Kaminsky, Colman Domingo e Brian King em seu elenco de apoio. Todos se apresentam muito bem, mas é impossível não perceber a entrega e o brilhantismo com que Yahya Abdul-Mateen II impõe ao seu papel, ele irá surpreender a muitos. Vamos à trama!

Num bairro pobre de Chicago, a lenda de um espírito assassino conhecido como Candyman assolou a população anos atrás, aterrorizando os moradores do complexo habitacional de Cabrini Green. Agora, o local foi renovado e é lar de cidadãos abastados da classe alta. O artista Anthony McCoy e sua namorada, diretora da galeria, Brianna Cartwright, se mudam para um apartamento luxuoso construído onde antes estava Cabrini Green, ali ele encontra uma nova fonte de inspiração. Mas quando o espírito retorna, os novos habitantes também serão obrigados a enfrentar a ira de Candyman.

Por que ver esse filme? O ponto alto de A Lenda de Candyman é sua originalidade, não é fácil usar positivamente os clichês, tão típicos dos filmes de terror, para tocar em feriadas abertas da sociedade, algo que Peel faz muito bem e que agora, ao que tudo indica, está fazendo escola ao abrir espaço para DaCosta. Além disso, o público, recentemente, tem reafirmado a sua predileção pelo terror, principalmente pelo slasher, isso porque o clima tenso também é entendido como uma boa diversão, nesse sentido o filme em questão dá um show. Por isso, aproveite essa estreia e boa sessão!

Assista ao trailer:

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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