A felicidade pública na filosofia política de Aristóteles
“(...) toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda ela se forma com vistas a algum bem (o bem-comum)”
– Aristóteles, Pol., 1252a.
Por Natã Dalcolli Sales[1]
Neste artigo busco explorar o conceito de bem-comum ou felicidade na filosofia política de Aristóteles, com base em sua obra Política (em grego, Πολιτικ?), escrita na época em que ele era preceptor de Alexandre, o Grande. Sabe-se que na metade do século IV, Aristóteles se propôs a reunir diversas constituições de cidades diferentes, e tentou com elas compor os materiais, provisórios ou incompletos de sua Política, composta por oito livros.
Tendo em vista o conhecimento de várias constituições e vários governos, Aristóteles elenca desde governos consideravelmente bons até governos repugnantes, como a tirania. Mas Aristóteles não trata apenas dos melhores governos, mas também do que é a boa cidadania que contribui para o surgimento de bons governos.
Aristóteles entendia que são as partes (indivíduos) que fundamentam a existência do todo (Estado), e que as partes devem estar moral e civilmente saudáveis para que haja um Estado sólido que seja capaz de promover o bem-comum. Ou seja, o Estado, na filosofia aristotélica, era encravado como a reunião dos interesses em comum de pessoas individuais e de pequenas comunidades e famílias.
Quando tais entidades se reúnem (comunidades, famílias e indivíduos), era necessário considerar aquilo que Aristóteles chamou de “bem em maior grau”, ou “bem-comum”, isto é, aquilo que é bom em um nível mais elevado e universal do que o bem particular e circunstancial. O guardião e mantenedor desse “bem-comum”, para Aristóteles, deve ser o Estado:
“[...] uma comunidade de algum tipo, e cada comunidade é estabelecida com vistas a algum bem; pois a humanidade sempre age para obter o que considera bom. Mas, se todas as comunidades visam algum bem, o estado ou comunidade política, que é o mais elevado de todos e que abrange todos os demais, visa o bem em maior grau do que qualquer outro, e o bem mais elevado”.
Esse bem-comum é também chamado de eudaimonia, isto é, felicidade plena, o que para Aristóteles, deve ser o alvo a ser alcançado por um bom governo. Os indivíduos de uma comunidade sempre agem em vistas de algum bem, algo que os façam felizes, mas há para Aristóteles certos bens que só podem ser alcançados em cooperação com outros indivíduos. A isso podemos chamar de felicidade ou eudaimonia pública.
Mas para que os indivíduos de uma sociedade pudessem alcançar a eudaimonia privada ou pública, era necessário seguir três passos: potência, repetição e virtude. A potência (ισχ?ς) se refere ao uso das condições físicas e intelectuais para alcançar um determinado fim. A repetição é o exercício de constância do uso da potência, chamado Hexis, (Χ?ξις). A virtude é o resultado do uso da potência com constância, produzindo uma energeia (?ργον).
Ou seja, a experiência da eudaimonia – da felicidade plena em uma comunidade – depende desses princípios, sendo, em Aristóteles, não apenas um objetivo individual, mas também um objetivo coletivo. Tal compreensão de Aristóteles, leva-nos a nos questionar: será que estamos dando atenção apenas a nossa felicidade privada, desconsiderando que há experiências de felicidade que não podem ser experimentadas individualmente senão em colaboração com os demais? Será que estamos vendo a felicidade apenas como um bem particular e privado? E mais, será que estamos seguindo os “passos” aristotélicos para alcançar o bem-comum? Cobramos uns aos outros em busca de melhorias em nossas condições intelectuais e físicas para o bem da sociedade? Cobramos uns dos outros a dedicação e o esforço em repetir, treinar com constância tais condições até que alcancemos a virtude? Ou estamos imersos em uma cultura narcisista, viciada no self, absorvida pela indiferença para com os impactos de nossas ações para os outros?
Com essas reflexões, Aristóteles nos mostra que a eudaimonia pública não é apenas uma questão de regras e leis, mas um esforço particular, contínuo e de espírito comunitário para cultivar as virtudes necessárias a uma vida pública plena e harmoniosa. Somente por meio dessa sinergia entre governantes virtuosos e cidadãos comprometidos com o bem comum é que a eudaimonia pode ser alcançada, tanto no nível individual quanto coletivo.
Por fim, penso que ao invés de uma política focada em interesses individuais ou corporativos, a implementação de um governo que se preocupasse com a virtude e a capacidade dos cidadãos em contribuir para o bem coletivo poderia resultar em uma sociedade mais justa e equilibrada. A educação e o fomento à virtude, como defendido por Aristóteles, poderiam ajudar a formar cidadãos mais comprometidos com a eudaimonia pública, ao invés de focados apenas em seus próprios interesses.