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A fé como meio de apropriação das bênçãos de Deus - Parte 2


Por: Fernando Razente
Data: 03/02/2025
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Romanos 3.4b (ARA): “segundo está escrito: Para seres justificado nas tuas palavras e venhas a vencer quando fores julgado.”

 

No texto anterior, meditamos sobre a parte “a” de Romanos, versículos 3 e 4, do capítulo 3. No v. 3, Paulo havia demonstrado ao seu leitor que Deus permanece fiel às suas promessas, mesmo em meio a incredulidade de muitos. Segundo Calvino, Paulo argumenta que “(...) é impossível que a verdade de Deus perca sua substância mediante a fraqueza humana.”, e como atesta Paulo em sua segunda carta a Timóteo, se nós “(...) somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo.” (2 Tm 2.13 ARA).

Na sequência, no v.4, parte “a”, Paulo apresenta a base de sua declaração sobre a fidelidade de Deus: “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem…” Estes são dois axiomas fundamentais da fé bíblica, usados aqui pelo apóstolo em seu argumento: 1) Deus é sempre verdadeiro – toda teologia deve ser construída com base nesse pressuposto. Deus é verdadeiro em toda relação que estabelece, em todo ato que planeja e executa (Jo 3.33). E, por outro lado, devido à queda de Adão no pecado, 2) Todo o homem é mentiroso – toda teologia deve ser construída tendo em vista que o homem é pecador, mentiroso, falho, infiel. A alteração, mínima que seja, desses pressupostos fundamentais, pode comprometer o todo de uma teologia (como se vê no liberalismo, o abandono do primeiro axioma, e no pelagianismo e arminianismo, o abandono do segundo axioma).

Agora, na parte “b”, do verso 4, Paulo faz a citação de um texto bíblico que aborda as implicações dos axiomas unidos. Paulo diz: “segundo está escrito: Para seres justificado nas tuas palavras e venhas a vencer quando fores julgado.” Onde está escrito? Encontra-se na versão LXX do Antigo Testamento, no Salmo 51, versículo 4b: para que sejas justificado em tuas palavras e venças quando fores julgado.”[1]

Como argumenta Hendriksen, para “(...) entender a relevância desta citação para o propósito de Paulo, devemos visualizá-la com base em seu contexto.”[2] O Salmo 51 foi escrito pelo rei Davi, após cometer os pecados de adultério com Batseba, e de ter sido o mentor intelectual do assasinato de seu soldado fiel Urias. Davi, após ser confrontado pelo profeta Natã, confessa seus pecados, e reconhece sua impiedade. No verso 4 do Salmo 51, ele diz: “Contra ti somente pequei, e fiz o mal diante de ti”.

Davi entendia que não foi contra seres humanos que sua ofensa foi mais gravemente sentida, mas contra Deus. Davi havia pecado contra o próprio Deus, autor da vida e legislador moral; e, com isso, feito um grande mal diante do Senhor. E por que ele confessa isso? Na continuação, ele descreve  – as palavras citadas por Paulo – a razão: “para que sejas justificado em tuas palavras e venças quando fores julgado.”

Ou seja, o alvo de Davi em sua confissão era fazer com que naquele cenário escuro de sua própria injustiça e pecaminosidade, a justiça e santidade de Deus fosse posta em destaque nítido. “A vontade de Davi”, diz Hendriksen “era que Deus triunfasse”[3] em seu juízo contra o rei de Israel.

Voltando agora para Romanos 3.4b, podemos observar a intenção de Paulo ao citar o Salmo 51. No contexto, a fidelidade de Deus está sendo contrastada com a infidelidade e a incredulidade dos homens. A verdade e santidade de Deus está sendo contrastada com a mentira e pecaminosidade de toda a humanidade. Desta forma, Paulo, ao mencionar a confissão davídica, acentua a justiça de Deus à luz da injustiça e incredulidade humana, especialmente de alguns  judeus neste contexto.

Em outras palavras, a luz da verdade de Deus se destaca ainda mais quando vista a partir da escuridão da mentira e incredulidade humana. Este tema será abordado por Paulo no versículo 5, do capítulo 3, que pretendo expor na próxima semana, se Deus permitir. Mas agora, vejamos o que podemos aprender com esta parte “b” de Romanos 3.4.  Aqui vão alguns pontos:

1) Que Deus é sempre verdadeiro. Não importa quantas tentativas humanas em descredibilizar a Deus e sua Palavra. Sua verdade vai sempre reinar. Essa deve ser a confissão da igreja. Deus é a verdade, e nele não há engano.

2) Que a humanidade é mentirosa. A antropologia cristã não ignora que o desígnio do coração humano é desesperadamente corrupto desde a sua mocidade, e suas inclinações são para a carne. Não há bondade inerente ao homem pecador. Ele é radicalmente depravado, absolutamente dependente da luz e da graça divina.

3) Que Deus sempre terá razão em seu juízo contra pecadores corruptos. Muitas vezes, os pecadores questionam os desígnios divinos e até querem “vencer” Deus em sua Palavra. Essa foi a tentativa da serpente, e continua a ser daqueles homens réprobos e endurecidos. Mas o pecado no homem já é o testemunho de sua derrota, e a santidade divina é a causa de sua superioridade, autoridade e verdade. Deus sempre foi e sempre será fiel, enquanto os pecadores quebram sua lei, e são fieis à aliança.

4) Que apesar da infidelidade do homem, Paulo nos ensina que Deus ainda derrama sua graça em seus eleitos que não se mantém incrédulos, mas creem na graça, e se apropriam dela internamente. Por isso, é com verdade que dizemos que nada, nem mesmo a mais profunda fraqueza humana do eleito, é capaz de fazer com que as promessas de Deus percam suas forças para com ele. Os eleitos do Senhor jamais deveriam nutrir em seus corações a semente da dúvida em relação ao compromisso pactual de Deus, mas deveriam avançar com fé nas promessas do Senhor, se apropriando delas em seu coração, experimentando a fidelidade d’Ele.

Amém.

 

 

 



[1]A versão Septuaginta (LXX) é a versão da Bíblia hebraica traduzida para o grego coiné (popular) entre o século III a.C. e o século I a.C., em Alexandria. Desde o século I, tornou-se a versão clássica da Bíblia para os cristãos de língua grega. Paulo e muitos discípulos utilizavam essa versão para consultas dos escritos veterotestamentários. Ver GEISLER, Norman L.; NIX, William E. Introdução geral à Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2021. p. 583-591.

[2]HENDRIKSEN, William. Comentários do Novo Testamento - Romanos. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2011. p. 144.

[3]Ibidem, p. 145.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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