Gasto intempestivo, merenda e uniforme não integram índice constitucional da educação
As despesas com servidores ativos da educação pagas intempestivamente não podem ser computadas no percentual mínimo de aplicação da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino, referente ao índice constitucional mínimo previsto no artigo 212 da Constituição Federal, que deve ser aplicado anualmente: de 18% para a União e 25% para os estados, o Distrito Federal e os municípios.
Inclusive, essas despesas não podem ser custeadas com os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Além disso, os gastos com merenda e uniforme escolar não podem ser incluídos nas despesas vinculadas à educação, em razão da vedação expressa no artigo 71, inciso IV, da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB).
Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Campo Largo (Região Metropolitana de Curitiba), por meio da qual questionou se as despesas com servidores ativos da educação pagas a destempo seriam elegíveis para fins do computo do índice constitucional mínimo de 25%; se essas despesas poderiam ser custeadas com recursos do Fundeb; e se os gastos com merenda e uniforme escolar poderiam ser incluídos nas despesas vinculadas à educação.
Instrução do processo
Em seu parecer, a assessoria jurídica do consulente afirmou que há vedação expressa na LDB para a utilização de recursos vinculados à educação na aquisição de gêneros alimentícios e na realização de despesas de assistência social, como na compra de uniformes escolares.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR ressaltou que, considerando que o artigo 212 da CF/88 fixou um percentual mínimo de aplicação anual na manutenção e desenvolvimento do ensino, para assegurar a aplicação de recursos de forma prioritária, não é possível que gastos com despesas pagas a destempo sejam incluídas no índice. A CGM também destacou que é vedada a utilização de recursos do Fundeb para essa finalidade.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) manifestou-se pela impossibilidade do cômputo de despesas com uniformes escolares como despesa de manutenção e desenvolvimento do ensino, assim como a aquisição de gêneros alimentícios para o preparo da merenda escolar, nos termos do artigo 71 da Lei n° 9.394/96.
Legislação e jurisprudência
O artigo 6º do texto constitucional fixa que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.
O inciso III do artigo 35 da CF/88 expressa que o Estado não intervirá em seus municípios, nem a União nos municípios localizados em Território Federal, exceto quando não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
O artigo 212 da Constituição Federal dispõe que a União aplicará, anualmente, nunca menos de 18%, e os estados, o Distrito Federal e os municípios 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
O artigo 212-A da CF/88 estabelece que os estados, o Distrito Federal e os municípios destinarão parte dos recursos da educação à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na educação básica e à remuneração condigna de seus profissionais.
O artigo 213 do texto constitucional fixa que os recursos públicos serão destinados às escolas públicas. Eles podem ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades.
Os incisos I e V do artigo 70 da Lei 9.394/96 expressam que serão considerados como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam à remuneração e ao aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação; e à realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino.
O inciso IV do artigo 71 da LDB dispõe que não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com programas suplementares de alimentação; assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica; e outras formas de assistência social.
O artigo 25 da Lei n° 14.113/20, que regulamenta o Fundeb, estabelece que os recursos dos fundos, inclusive aqueles oriundos de complementação da União, serão utilizados pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios no exercício financeiro em que lhes forem creditados, em ações consideradas de manutenção e de desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, conforme disposto no artigo 70 da Lei nº 9.394/96.
De acordo com o Manual de Demonstrativos Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional, a remuneração, incluindo os encargos incidentes da remuneração, e o aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação são considerados gastos com pessoal para fins da manutenção básica de ensino, excetuadas as despesas com pessoal quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.
O Acórdão nº 2.533/23 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 518991/22) fixa que os gastos com o preparo da merenda escolar podem ser utilizados para atingir o índice mínimo da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, previsto no artigo 212 da Constituição Federal.
Decisão
No julgamento, o relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, designado após seu voto divergente ter vencido o do relator originário, conselheiro Fabio Camargo, afirmou que os gastos com pessoal referentes à remuneração, o aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação são considerados para fins da manutenção básica de ensino.
Bonilha lembrou que as despesas de caráter indenizatório e assistencial pagas aos profissionais da educação, no entanto, não compõem a remuneração e não devem ser consideradas como manutenção de desenvolvimento de ensino. Ele também recordou que não compõem o índice os pagamentos de aposentadorias e pensões.
O conselheiro explicou que a norma constitucional prevê que os municípios devem aplicar, anualmente, no mínimo, 25% da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Ele frisou que a exigência do investimento mínimo tem o objetivo de viabilizar o acesso à educação, assegurado no artigo 6º da CF/88, e garantir maior qualidade no ensino.
Assim, o relator destacou que a destinação desses recursos para despesas pagas a destempo poderia inviabilizar as ações voltadas à manutenção e desenvolvimento do ensino do próprio exercício, além de gerar passivos para os exercícios seguintes, em afronta aos princípios do planejamento e da anualidade.
Bonilha também entendeu que o pagamento da remuneração com recursos do Fundeb promoveria o descontrole dos gastos com pessoal e, consequentemente, comprometeria a continuidade do investimento público em educação.
Quanto aos gastos com a merenda, o relator originário lembrou que o assunto tramita na Câmara dos Deputados, por meio do Projeto de Lei n° 1.049/23, que pretende considerar os programas suplementares de alimentação destinados à merenda escolar como despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino.
Bonilha concordou com o entendimento de Camargo de que, apesar do entendimento fixado no Acórdão nº 2.533/23 - Tribunal Pleno do TCE-PR em relação aos gastos com o preparo da merenda, a jurisprudência majoritária dos Tribunais de Contas é no sentido de não considerar as despesas com aquisição de alimentos na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator designado por maioria absoluta, por meio da Sessão de Plenário Virtual nº 18/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 26 de setembro. O Acórdão nº 3121/24, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 14 de outubro, na edição nº 3.315 do Diário Eletrônico do TCE-PR.