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Séries, filmes e a falta de estudos


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 21/09/2023
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Um filme ou uma série sobre alguma profissão deveria mostrar o tempo de estudos investido pelo profissional. Pode parecer estranha essa primeira frase, mas a ideia é bem essa: não há bom profissional sem muito estudo. Diante das duas premissas anteriores é que vem o meu incômodo: nunca encontro em filmes e séries um advogado ou um médico efetivamente estudando.

Há séries que tratam do cotidiano dos melhores médicos e dos melhores advogados de um país, e eu, particularmente, gosto de assisti-las. Elas mostram uma vida ao mesmo tempo penosa e glamurosa. Quem não gosta de ver os melhores de uma área em ação?

Um tipo de série que ainda não encontrei é sobre o dia a dia docente, no sentido de ostentação. Talvez porque não seja uma profissão de alto status social. Ou talvez porque seria uma série que inevitavelmente teria de mostrar o ator atrás de livros e trabalhos. Mas, não tem o advogado ou o médico pilhas de livros atrás de si, em seus escritórios e consultórios? Reitero a pergunta: por que não mostrar o profissional em pleno estudo?

Desconfio que a inteligência seja vista enquanto apenas inata. As pessoas simplesmente nascem para determinado ofício e pronto. Assim, um advogado ou um médico genial nasceram para tal profissão e, por mais que tenham estudado, disso ninguém duvida, o processo de busca do conhecimento fluiu naturalmente.

Uma advertência, e aqui começam minhas críticas: bons profissionais dependem de estudo contínuo. Dependem de atualizações contínuas, que ora acontecem por cursos e livros e que ora acontecem por congressos. Estudar é uma tarefa árdua. A capacitação para o trabalho, qualquer que ele for, é árdua. Ao ser negligenciada a esfera da dificuldade cria-se um mito de que pessoas nascem predeterminadas para a genialidade e outras não. Pode até ser que exista algo natural em certas habilidades, mas ela certamente não exclui o esforço. Segundo um famoso ditado, o que há é um por cento de inspiração e noventa e nove de transpiração.

“Grey’s Anatomy” é uma famosa série sobre médicos. Ela iniciou em 2005 e em 2023 encontra-se na 19ª temporada. Cada temporada tem uma média de vinte e dois episódios, com duração de quarenta minutos. A série se passa em um hospital-escola onde um grupo de recém-formados chega para ser formado pelos melhores médicos dos Estados Unidos. Os estudantes começam os estudos como internos, depois se tornam residentes e, concluída a formação, podem ser médicos atendentes. A ideia da série sem dúvida é interessante. No entanto, o roteiro se passa mais a partir de namoros, “casos” e brigas entre professores e alunos do que propriamente a partir do conteúdo do ensino. Até há momentos de aprendizado e de bons casos clínicos e cirúrgicos, porém, eles ocupam um papel marginal na série, sobretudo quando ela está em um estágio avançado.

Às vezes encontro propaganda de universidades e de guias de vestibulares que colocam os atores de “Grey’s Anatomy” em sua divulgação de cursos. Traduzindo: ao divulgarem o curso de Medicina aparece a menção à famosa série norte-americana. Mas, será que o dia a dia do acadêmico de Medicina é feito de namoros, “casos” e brigas entre professores e alunos? E será que todo status propagado na série não é apenas uma ilusão? No cotidiano dos profissionais das unidades básicas de saúde a situação parece passar um pouco longe dos holofotes. E o estudante de Medicina precisa de intermináveis horas atrás de livros e bancos escolares para se tornar um profissional de fato e de direito.

Já “Suits” é uma famosa série de advogados. Ela se iniciou em 2011 e em 2019 exibiu o último episódio da 9ª temporada. Cada temporada tem em média 16 episódios, com duração de quarenta minutos. A série se passa em um grande escritório de advocacia em Nova York. Todos os advogados desse estabelecimento foram formados em Harvard, que, como é de amplo conhecimento, é uma das universidades mais prestigiadas do mundo. Além disso, o curso de Direito de Harvard é o mais antigo em funcionamento dos Estados Unidos e várias autoridades desse país se formaram nessa instituição, a exemplo do ex-presidente Barack Obama. Logo se percebe o tamanho do status proposto na série somente através dessa breve descrição.

O personagem principal, Harvey Spector, conta com o apoio de um associado, Mike Ross. Harvey é formado em Harvard, já Mike, por trambicagem, não. Mike não é formado em Direito, mas, por causa de sua memória fotográfica, consegue lidar com a ciência jurídica tão bem ou melhor do que alguém formado pela prestigiada Harvard Law School. A dupla é imbatível. O termo correto é justamente esse: imbatível. Apesar de todas as adversidades, ela consegue se sobressair, e as soluções para os casos mais complexos se dão na maioria por intuição. O conhecimento é visto também enquanto natural e os gênios como que nascidos com esse dom desde o útero.

Por mais chato que possa parecer, roteiros e mais roteiros precisariam ser reescritos para mostrar profissões e profissionais reais. Contudo, não é preciso fazer algo tão realista quanto gravar por várias horas uma pessoa estudando. Mas, sinceramente, eu teria medo de colocar a minha vida nas mãos de quem nunca estuda.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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