Salário e docência
Eu costumo dizer que iniciei a docência no final de 2010. Mas, na verdade, foi alguns anos antes, em 2007, quando ministrei algumas aulas de História e Filosofia voltadas para o vestibular. Em 2010 eu assumi salas de aula, no entanto, desde 2007 assumi alguns alunos.
O início do início da docência foi ou voluntário ou com uma remuneração baixa. Quando digo baixa, me refiro a R$ 5,00 por aula. Para mim messe valor estava bom, porque eu conseguiria comprar livros que do contrário eu não poderia – a menos que eu pedisse aos meus pais, algo que usualmente eu fazia, apesar de não gostar. O início do início da docência foi cheio de aulas voluntárias e depois eu me tornei uma mão de obra qualificada e barata.
Já graduado em História e com o mestrado em andamento, o meu salário era menor do que um salário mínimo. Eu não tinha muitas aulas na semana, quatro apenas, e o que eu receberia era pegar ou pegar. Como eu era solteiro e morava com os meus pais, eu só tinha a ganhar. E assim eu trabalhei e pude adquirir bastante experiência para um recém-formado. Eu não estava preocupado com o dinheiro, mas com a experiência. Esse é um luxo que poucos podem se dar.
Ainda nos idos de 2007 e 2010, eu ministrei diversas oficinas voluntariamente, tanto para alunos quanto para professores. Eu fui bolsista de projeto de extensão voltado à história e cultura afro-brasileira. Essa oportunidade me abriu portas para oficinas e pesquisas. Aproveitei, apesar da bolsa, na época, ser de apenas R$ 300,00. Como eu já disse, eu não estava preocupado com dinheiro, mas com a experiência. O que me incomodava, porém, era quando me perguntavam quantos eu recebia por mês ou quantos eu “ganhava” por aula. Eu tinha que dizer, a contragosto, que estava em fase de aprendizado e que nessa fase mais se dá do que se recebe. Poucos entendem essa lógica.
Voltando à época que eu já era docente efetivo, mas em início de carreira. Eu já era graduado e mestrando, alguém de 22 anos bem titulado. Porém, algumas experiências marcam, e dentre estas vale a pena destacar duas que têm tudo a ver com o teor desse texto. Primeira: eu fui a uma loja de calçados e para comprar um tênis abri um cadastro. Uma das perguntas foi sobre escolaridade (orgulhoso, a disse), e outra foi sobre renda (fiquei corado). Segunda: quando me demiti de uma instituição e fui homologar o término do meu contrato de trabalho, o fiscal olhou minha carteira e disse “que vergonha um salário desse para professor” (novamente corei).
Diante de um quadro de remuneração baixo, a saída de muitos docentes é trabalhar em vários lugares. Dez horas em uma instituição, cinco em outra, dez em outra, quatro em outra... Do contrário, o dinheiro ao final do mês não dá conta de pagar as contas. A qualidade do ensino? Infelizmente acaba por ficar deficitária.
Eu disse que não me incomodava o baixo valor que eu recebia. É verdade. Aprendi demais e não tenho do que reclamar. O que eu sei é o seguinte: as chances de alguém fazer o que de fato quer são próximas de zero. Se hoje faço o que quero, tenho de agradecer, mas sem utopias do tipo “quem quer consegue”.
Quando fiz concurso para o Instituto Federal do Paraná (IFPR) eram quinze candidatos por vaga. Hoje eu penso que esse número, na verdade, era bem maior. Uma multidão almejou fazer o concurso, mas por diversos motivos não pôde sequer se inscrever. De quinze por vaga eu facilmente multiplicaria por quinhentos por vaga.
O concurso é uma oportunidade importante para os licenciados – sei que não só para os licenciados, mas no caso destes há pouca iniciativa privada além de escolas. É ocasião para na maioria das vezes a pessoa ter um salário digno e um plano de carreira – são poucas as instituições que oferecem planos de carreira. Por mais problemas que possa ter, o serviço público tem grande parcela de importância na profissionalização da educação brasileira.
Voltando à questão da remuneração. O aspecto voluntário e o da mão de obra barata parecem não abandonar a docência. E digo isso por experiência própria. Anos depois de graduado, já com doutorado, quase todas as palestras que ministro são gratuitas. As que não são, quando muito pagam combustível, e até hoje só duas pagaram a estadia. Quando a palestra é em universidades públicas, no mais das vezes (e quando muito) a pessoa recebe apenas uma diária. Uma vez fui ministrar uma palestra em uma instituição a seiscentos quilômetros de Paranavaí e recebi tão somente uma diária e meia. Um valor de R$ 250,00. Esse dinheiro só pagava o combustível de ida, mas, por amizade, fui, paguei a estadia, a alimentação e o combustível de volta.
A questão é que apesar de títulos e de todo profissionalismo envolvido, o magistério ainda segue sendo cheio de trabalhos voluntários, de pessoas que fazem o que fazem por amor e por amizade, porque lucro poucos conseguem. Mas, convenhamos, o trabalho só por amizade não tem sentido, tampouco enche a barriga. Por que não remunerar o trabalho de um profissional? Eis um grave dilema que dificilmente abandonará a docência.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.