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“Romancista como vocação”, de Haruki Murakami


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 17/04/2023
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Eu escrevo há 22 anos. Ao longo desse tempo, já escrevi poesias, contos, crônicas, dissertação de mestrado, tese de doutorado, publiquei artigos para revistas e jornais, publiquei livros e ganhei prêmios literários. Posso afirmar que tudo o que faço me dedico ao máximo, para que, mesmo recebendo críticas, eu possa ter orgulho do que eu fiz. É por essa razão que não coloco o meu nome em trabalhos que não contribuí substantivamente.

Uma das coisas que mais faço, por gostar de escrever, é ler o que outros escritores falam sobre o universo da escrita. Nesse percurso, já li textos de Rainer Maria Rilke, “Cartas a um jovem poeta”, William Zinsser, “Como escrever bem”, e, recentemente, Haruki Murakami, “Romancista como vocação”. Neste livro, é possível acompanhar não só o escritor a falar sobre a escrita, mas também sobre a sua própria vida, até porque uma esfera não se separa da outra.

Da primeira obra, “Ouça a canção do vento”, até “Romancista como vocação”, há um espaço de mais de trinta anos. O escritor começou a escrever após uma “revelação” em um estádio de beisebol, em que ele disse para si mesmo: “É, talvez eu também possa escrever romances (MURAKAMI, 2017, p. 26)”. Nessa época, ele tinha 29 anos, e desde então se dedica ao universo literário. É interessante perceber que Murakami, então um jovem escritor, tinha uma ocupação principal, dono de um bar de jazz em Tóquio, mas, com o tempo, a força do escritor ganhou espaço, a ponto de que ele precisou se dedicar à atividade literária em tempo integral. Depois de certo tempo, e de muitas críticas em sua terra natal, ele sentiu a necessidade de mudar para os Estados Unidos, para respirar novos ares e, assim, ter novos desafios. Leiamos as palavras do escritor:

 

“Até hoje me lembro bem do que senti. Foi como se algo tivesse caído do céu lentamente e eu o tivesse recebido com as duas mãos. Não sei bem por que ele veio justo na minha direção, por acaso. Não entendi na hora e não entendo até hoje. De qualquer forma, isso aconteceu. Digamos que esse acontecimento tenha sido como uma revelação. O que aconteceu comigo nessa tarde foi uma epifania, que é algo difícil, uma “manifestação súbita da essência” ou uma “compreensão intuitiva dos fatos”. Em palavras simples, seria: “Algo que aparece diante dos olhos certo dia, de súbito, e muda tudo”. Depois desse acontecimento a minha vida se transformou completamente. No momento em que Dave Hilton acertou uma bela e forte rebatida dupla no estágio Jingû.” (MURAKAMI, 2017, p. 26).

 

É curioso notar em “Romancista como vocação” que, apesar dos pesares, a carreira de Murakami ganhou alturas e hoje é mundial. E por que isso é curioso? Porque, para a maioria absoluta dos escritores, isso não ocorre. Seria falta de talento? Seria falta de sorte? Seria porque o mundo não é para todos?

E por qual razão, então, um escritor segue escrevendo? No caso de Haruki Murakami, é porque ele se sente bem escrevendo, se sente incrivelmente livre. Esse sentimento é uma das marcas frisadas em “Romancista como vocação”, a ponto de o escritor afirmar que se a vida de romancista fosse entediante ela não teria sentido para si. Claro que falta de tédio nada tem a ver com falta de labor e de contínuas críticas, e até de críticas maldosas. No meu caso, também escrevo porque me sinto bem. Não gosto muito de escrever para revistas acadêmicas, ainda que eu escreva, porque no mais das vezes a publicação não atinge a finalidade esperada. Quanto a escrever para jornal, gosto mais, pois, pelo menos, se a versão for impressa os olhos passarão pelas minhas letras.

Ler livros de escritores falando sobre a escrita é uma oportunidade para o leitor saber o que se passa na oficina criativa de determinado artista. Serve, por fim, para o caso de quem gosta de escrever, mas está no princípio, saber se vale a pena dedicar muito tempo a esse ofício ou não; e, para quem já escreve há anos, o valor é dobrado, pois na maioria das situações é possível encontrar um irmão de ofício, e, assim, poder, no ouvir, também expressar as próprias alegrias e lamentos.

Haruki Murakami. Romancista como vocação. Trad. de Eunice Suenaga. São Paulo: Alfaguara, 2017.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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