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Resenha do filme “A onda”


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 07/03/2024
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         O ser humano no trabalho possui um tipo de comportamento, em casa outro, na igreja outro, com os amigos outro e assim por diante. Não necessariamente significa que a pessoa use máscaras, mas a questão é que para determinados ambientes há determinadas linguagens.

         Fora a questão da mudança de jeitos, há também outro fator: a pessoa sozinha lida com a vida de uma maneira e em sociedade de outro. A força de um indivíduo costuma ser menor que a de um grupo e em grupos certas peculiaridades são afloradas. A timidez pode se aflorar, bem como a liderança e a agressividade. Não ao acaso é infelizmente comum ver homens mexendo com mulheres quando estão em bando, mas quando estão sozinhos ficam calados.

         O filme “A onda”, de 2008, conta a história de um professor de ensino médio, Rainer Wenger, que envolve os alunos em uma experiência a partir de um sistema político. Em um primeiro momento o professor queria ensinar sobre Anarquia, mas depois, por esse tema ter sido destinado a outro docente, ele acaba por ensinar sobre Autocracia.

         O protagonista do filme faz da semana de cursos um verdadeiro laboratório. Os adolescentes aprendem desde normas e hierarquia, até são estimulados a usar uniforme – uma camiseta branca -, criar símbolos – a representação de uma onda – e saudações – também em formato de uma onda.

         Aos poucos os adolescentes, sendo que alguns individualmente eram tímidos e desajeitados, passam a unir forças e a formar um grupo coeso e fechado. Quem não fizesse parte do grupo passava a ser visto como um inimigo. É uma lógica binária de bem e mal, o que faz lembrar o que ocorre no filme “O senhor das moscas”, em que dois grupos são formados, de um lado o de Ralph (com boas inclinações) e o de Jack (com más inclinações).

         O que se passa em “A onda” é valioso para o campo pedagógico, pois traz reflexões sobre o ensino e a coletividade. Unido o ser humano se torna mais forte, mas tal força pode se converter em perigo, em barbárie. Que se veja as experiências totalitárias do século XX. É sob esse horizonte que Hannah Arendt, em “A crise na educação”, alerta:

A autoridade de um grupo, mesmo que este seja um grupo de crianças, é sempre consideravelmente mais forte e tirânica do que a mais severa autoridade de um indivíduo isolado. Se a olharmos do ponto de vista da criança individual, as chances desta de se rebelar ou fazer qualquer coisa por conta própria são praticamente nulas; ela não se encontra mais em uma luta bem desigual com uma pessoa que, é verdade, tem absoluta superioridade sobre ela, mas no combate a quem pode, no entanto, contar com a solidariedade das demais crianças, isto é, de sua própria classe; em vez disso, encontra-se na posição, por definição irremediável, de uma minoria de um em confronto com a absoluta maioria dos outros. Poucas pessoas adultas são capazes de suportar uma situação dessas, mesmo quando ela não é sustentada por meios de compulsão externos. As crianças são pura e simplesmente incapazes de fazê-lo (ARENDT, 2009, p. 230).

         O filme adquire proporções trágicas, pois, e para fazer referência à cinematografia de Bergman, “o ovo da serpente” cresce e quebra a casca. De uma experiência aparentemente banal sobre a Autocracia tanto alunos quanto o professor são envolvidos em situações dramáticas.

         O interessante, também, é que muitos estudantes que se envolvem com o curso se entregam àquilo que consideram ser uma novidade, não se dando conta de que quem se passa por novo também ele é velho. Novamente é interessante a referência a Arendt:

Pertence à própria natureza da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo, de tal modo que preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo (ARENDT, 2009, p. 226).

A ânsia pela novidade, porém, logo se converte em adoração, em culto, onde a figura do professor Wenger torna-se central. O novo, na verdade, é um flerte com a tirania, forma de governo demasiado antiga. E entre passado e futuro o filme brinca com o presente, ilustrando que o que foi pode tornar a ser. A fortaleza de um grupo possui várias faces, uma delas pode ser mortal.

Hannah Arendt. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.

 

A onda (no original em alemão: “Die Welle”)

Ano: 2008

Direção: Dennis Gansel

Roteiro: Dennis Gansel e Peter Thorwarth

Elenco: Jürgen Vogel, Frederick Lau, Max Riemelt, Jennifer Ulrich.

Gênero: Drama

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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