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“O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 12/04/2021
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É fato notório que “O Pequeno Príncipe” figura entre os livros mais lidos da humanidade, especialmente por força de alguns fragmentos, como o diálogo do príncipe com a raposa e a ideia de “cativar”. E motivos para a obra ter toda essa repercussão não faltam, pois serve (muito bem) pra crianças e para adultos. As crianças viajam na literalidade do texto, e os adultos também viajam, porém, sem tanta literalidade.

            Quando comecei a estudar Nietzsche, a crítica ao eruditismo despertou minha atenção logo de início. Por que? Porque, para mim, o conhecimento deve estar ligado à vida, ao ato de explorar a vida. Por que? Porque eu não suportava a ideia de ler por ler, às vezes de ler só para responder um enunciado. Por que? Por razões que o pequeno príncipe conhece.

            Quando o princepezinho andava de planeta em planeta, o que ele fazia senão explorar a vida e conhecer suas belezas, tristeza e incompreensões? O pequeno príncipe é um explorador, sobretudo um curioso da alma humana: por essa razão é um livro imortal, pois enquanto houver ser humano haverá terra a explorar.

            Durante as explorações, mais dúvidas do que certeza surgem. Quase não é possível ver o princepezinho com certezas; até a sua querida flor se tornou motivo de questionamento. Todavia, de questionamento em questionamento o menino percebeu que a sua flor lhe era tão querida porque entre eles havia algo único. Esse algo único é o amor, o mesmo sentimento que há entre casais, entre amigos. Isso é dogmatizar a vida? Pelo contrário, dogmatizar é enrijecer, e a força do amor advém da flexibilidade da vida e da liberdade.

            É preciso errar e aprender com os erros. É preciso explorar o mundo e sair das escrivaninhas. É preciso caminhar pelas ruas das cidades, olhando para todos os lados – e não só de olho em números e no “vil metal”. Tudo isso é explorar o mundo. É justamente isso que o pequeno príncipe fez, explorou mundos, inclusive a Terra. E foi na Terra que ele se deparou com um aviador que, devido a várias circunstâncias, havia deixado de ser criança e se tornou uma “pessoa grande”. Porém, o princepezinho não tomou conhecimento dessa grandeza e só quis saber de questionar e dizer o que sentia da vida. Exatamente isso: o que sentia da vida. Sentir é mais que conhecer, ainda que uma coisa não anule e não negue a outra. Porém, para não negar, é preciso que não haja preocupações de hierarquia entre esses sentimentos, pois hierarquizar é colocar um em primeiro, outro em segundo e, nisso, os números passam a ser o ditador da vida. Eis algo que o pequeno príncipe não aceitou. Ler em atacado, como criticara Paulo Freire? Não, não, é preciso ir além da ideia de “mais”, “mais” e “mais”.

            O diálogo do princepezinho com um geógrafo, para além de outros belos diálogos na obra, é magistral para o magistério, pois traz um geógrafo, profissão muito importante, mas que via mais importância na escrivaninha do que nas montanhas e nos oceanos. Isso foi motivo de indignação para o pequeno príncipe: “Mas o senhor é geografo!” Então, eu sugiro, que tal andar com um papel na mão e, entre uma e outra “montanhas”, anotar algo vivo? Que tal entre uma e outra aulas anotar impressões sobre a educação? É claro que há importância no trabalho do erudito, que conhece a vida, mas é preciso ir além do saber pelo saber, e passar a sentir o saber como um fino sabor. Para encerrar esta resenha, transcrevo parte do diálogo do pequeno príncipe com o geógrafo, que tem valor por si só.

 

“O sexto planeta era dez vezes maior. Era habitado por um velho que escrevia em livros enormes.

- Ora vejam! Eis um explorador! – exclamou ele, logo que avistou o pequeno príncipe.

O princepezinho sentou-se à mesa, meio ofegante. Já viajara tanto!

- De onde vens? – perguntou-lhe o velho.

- Que livro é esse? – indagou-lhe o pequeno príncipe. – Que faz o senhor aqui?

- Sou geógrafo – respondeu o velho.

- Que é um geógrafo? – perguntou o princepezinho.

- É um especialista que sabe onde se encontram os mares, os rios, as cidades, as montanhas, os desertos.

- Isso é bem interessante – disse o pequeno príncipe.

E lançou um olhar, ao seu redor, no planeta do geógrafo. Nunca havia visto planeta tão grandioso.

- O seu planeta é muito bonito. Há oceanos nele?

- Não sei te dizer – disse o geógrafo.

- Ah! (O princepezinho estava decepcionado.) E montanhas?

- Não sei te dizer – disse o geografo.

- E cidades, e rios, e desertos?

- Também não sei te dizer – disse o geógrafo pela terceira vez.

- Mas o senhor é geógrafo!

- É verdade – disse o geógrafo. – Mas não sou explorador. Faltam-me exploradores! Não é o geógrafo quem vai contar as cidades, os rios, as montanhas, os mares, os oceanos, os desertos. O geógrafo é muito importante para ficar passeando. Nunca abandona a sua escrivaninha. Mas recebe os exploradores, interroga-os e anota seus relatos de viagem. E quando algum lhe parece mais interessante, o geógrafo faz um inquérito sobre a moral do explorador.” (SAINT-EXUPÉRY, 2015, p. 53-54).

 

 

Antoine de Saint-Exupéry. O Pequeno Príncipe. Trad. Dom Marcos Barbosa. 51ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 2015.

 

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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