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Nietzsche e Kyara


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 04/03/2024
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Há pensamentos filosóficos de alta complexidade e abstração. Por outro lado, há pensamentos que depois de um segundo olhar se mostram simples. E ainda há aqueles que são simples desde a primeira leitura. Simplicidade, porém, não se confunde com falta de profundidade.

Nietzsche é um pensador que reúne todos os tipos de pensamentos do parágrafo anterior. Nesse sentido, trarei a esse texto um fragmento da obra “Da utilidade e desvantagem da história a para a vida”, de 1874. Eis:

Considera o rebanho que passa ao teu lado pastando: ele não sabe o que é ontem e o que é hoje; ele saltita de lá para cá, come, descansa, digere, saltita de novo; e assim de manhã até a noite, dia após dia; ligado de maneira fugaz com seu prazer e desprazer à própria estaca do instante, e, por isto, nem melancólico nem enfadado. Ver isto desgosta duramente o homem porque ele se vangloria de sua humanidade frente ao animal, embora olhe invejoso para a sua felicidade - pois o homem quer apenas isso, viver como o animal, sem melancolia, sem dor; e o quer entretanto em vão, porque não quer como o animal. O homem pergunta mesmo um dia ao animal: por que não me falas sobre tua felicidade e apenas me observas? O animal quer também responder e falar, isso se deve ao fato de que sempre esquece o que queria dizer, mas também já esqueceu esta resposta e silencia: de tal modo que o homem se admira disso (NIETZSCHE, 2003, p. 7).

O que é possível interpretar a partir desse excerto? Uma infinidade de ideias, até porque Nietzsche, sendo um filósofo que preza pela perspectiva, não aceita uma interpretação dogmática, definitiva. Apesar da linguagem rebuscada que Nietzsche possui, também são facilmente encontráveis fragmentos cômicos, a exemplo de alguns utilizados para criticar o eruditismo. É por causa desse aspecto divertido do filósofo que farei uma interpretação extravagante do fragmento acima transcrito.

Costumo ler e escrever por horas a fio. Às vezes o dia rende, às vezes não. Quando o dia não é frutífero, fico um tanto frustrado. Infelizmente não consegui escapar de todo da lógica da produtividade, ainda que a minha escrita eu a visualize sob o viés da criação.

Foi em um dia de cansaço que saí do meu quarto de estudos e vi, para a minha surpresa (ou não), a minha cachorrinha Kyara deitada caprichosamente na minha cama. Não pude deixar de sentir certa inveja e quase que perguntei: “por que não me falas sobre tua felicidade e apenas me observas?”. Mas, sabendo de antemão que ela não me responderia, segui o meu dia, porém me dei ao luxo de dormir por alguns minutos. Quem não pode ter o todo, que ao menos se contente com um fragmento.

Friedrich Nietzsche. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida. Tradução de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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