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Resenha do filme “O Substituto”


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 17/04/2020
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Há algo perigoso em filmes que exibem o professor como um herói: é como se tudo que há de ruim ou de bom que ocorre em uma escola fosse da alçada exclusiva desse profissional. O professor não é um santo, alguém sobrenatural, ele pode interferir de forma relativa, às vezes com um raio maior, às vezes menor, na vida das pessoas e da comunidade estudantil. No entanto, é uma ideia errônea a de que o professor, por si só, é capaz de mudar os rumos de toda uma comunidade estudantil e de uma comunidade como um todo.

O filme “O Substituto” (2011) não cria uma imagem endeusada do professor, ao contrário, traz uma imagem bastante realista e às vezes até um pouco (ou muito) trágica. Trata-se de um filme, em linhas gerais, que foge do corriqueiro, a saber, que aborda um profissional à frente de uma turma problemática ao extremo e que ao final consegue “salvar” todos os alunos. O termo correto é “salvar”, na medida em que os alunos são vistos no início como espécies de demônios, mas, depois da intervenção do professor, a turma se regenera e o docente sai ou fica enquanto alguém aclamado.

Em “O Substituto” o cenário docente é trágico, não há muitos espaços para perspectivas salvadoras, ainda que isso possa eventualmente ocorrer. Vale a pena destacar: a docência é vista como um estado cheio de conflitos e limitações, ainda que se possa traduzir, vez por outra, enquanto algo cheio de esperança e virtudes. O filme não traz temas que partem de perspectivas dualistas de bem e mal, pois, conforme dizia Friedrich Nietzsche (1844-1900), há certas coisas, como o amor, como a vida, que estão além do bem e do mal.

Voltando à ideia de que o poder do professor é pequeno, não se trata de, por causa disso, idolatrar ou mesmo remeter à ideia platônica de que o rei deveria ser um filósofo, ou, traduzindo em termos mais brasileiros, de que um político deva ser um intelectual. Há casos e mais casos de políticos altamente ilustrados, mas que nem por isso pensaram na “pólis”, isto é, na cidade, no bem comum. O sonho platônico parece ter sido mitigado, diminuído ao longo da história.

Albert Schweitzer (1875-1965), filósofo, teólogo, médico e músico alemão, criticou a ideia platônica do “rei filósofo”, pois, segundo ele, um filósofo (que não é um rei ou algum deputado) moveria mais multidões do que um rei. Platão (428-427 a 348/347 a.C.), por exemplo, segundo o pensamento de Schweitzer, teria influenciado mais a humanidade do que um simples rei. Porém, há de se dizer que o pensador alemão se referia em especial a grandes vultos do pensamento, e não a um “simples professor”, por exemplo, da educação básica. É certo que a extensão da influência de tal professor pode ser enorme, mas, também, é um exagero superestimá-lo, pois, conforme vimos, o poder do professor não é macro, no mais das vezes chega a ser menos do que micro. Não custa lembrar o texto “A crise na educação” de Hannah Arendt (1906-1975), em que a filósofa nos diz que a crise na educação é um fenômeno geral, logo, algo que escapa das mãos de pessoas singulares, como é o caso de um docente, por melhor intencionado que seja.

Esse texto não trouxe uma sinopse do filme “O substituto”, mas trouxe problemas que margeiam essa belíssima película que começa, de forma instigante e polêmica, com a icônica frase de Albert Camus (1913-1960): “E nunca me senti tão profundo e ao mesmo tempo tão alheio de mim e tão presente no mundo''. O professor que é o protagonista do filme é um docente substituto, que se verá diante de inúmeras situações típicas do universo escolar. O cotidiano escolar, como é possível observar ao longo do filme, mostra-se tão complexo e tão enigmático quanto uma tragédia grega.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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