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“Minha infância e mocidade”, de Albert Schweitzer


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 01/08/2024
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         Há um princípio em Nietzsche que sempre me foi caro, e encontra-se na obra “Além do bem e do mal”[1]: “Maturidade do homem: significa reaver a seriedade que se tinha quando criança ao brincar” (NIETZSCHE, 2001, p. 71). E o que seria a criança? Alguém até 11 anos? Até 5? Ou alguém que possui sonhos e brinca por eles? Ou alguém que dificilmente se ressente? O mais provável é ler a infância como um estado de espírito. E por que o adulto deve lutar pela sobrevivência da criança? E como se dará esta luta em meio a uma vida tão árdua?

Albert Schweitzer (1875-1965)

        As questões anteriores também foram fruto de reflexões para Albert Schweitzer em vários momentos de sua criação intelectual, como se dá em “Minha infância e mocidade”. É possível dizer, desde já, que o princípio de Nietzsche tornou-se um princípio também para Schweitzer. Mas, as perguntas do parágrafo anterior permanecem e merecem respostas.

        Em “Minha infância e mocidade”, Schweitzer traz, além de elementos biográficos, questões fundamentais em torno dos seus pensamentos e modo de ser, algo próximo do que foi feito em “Minha vida e minhas ideias”. Todavia, naquela obra a ênfase, como o próprio nome diz, é na infância e na mocidade, logo, ao princípio trazido em “Além do bem e do mal”. Para poder viver o máximo possível, para ser alguém ativo e criativo, Schweitzer percebeu que só seria possível se mantivesse uma fé constante na infância, tida por idealismo. Mas, enquanto adulto, seria a hora de burilar esse idealismo, ao que ele diz:

 

A madureza a que devemos aspirar consiste em nos tornarmos, ao preço de esforços contínuos, sempre mais simples, sempre mais sinceros, sempre mais puros, sempre mais pacíficos, sempre mais tolerantes, sempre mais bondosos, sempre mais compassivos. Não nos deixemos abater pela desilusão. Porque na fornalha das desilusões o ferro maleável do idealismo juvenil deve transformar-se no aço inalterável do idealismo consciente. (SCHWEITZER, s/d, p. 68).

 

        E quais seriam os benefícios da infância no adulto? E quais os perigos? Veja-se que as perguntas não cessam de aparecer. Dentre os benefícios é possível citar: uma vida mais feliz, menos desgastes e uma noção mais clara do tempo. Quanto a uma noção mais clara do tempo, como parece algo obscuro, convém esclarecer.

        O tempo pode se dividir em curto, médio e longo. Quanto ao “agora” (curta duração), é preciso viver, aproveitar a vida, distribuir gratidões, comer, beber, rir; o tempo de média duração, por sua vez, implica maiores planejamentos e se relaciona ao que queremos para o próximo ano ou para dois ou três anos depois, sempre sob a perspectiva que contemple a valorização da vida; já o tempo de longa duração diz respeito ao que queremos ser na vida, como queremos viver. Logo se vê que esses tempos se fundem, e que o espírito jovem, idealista, sonha, luta e brinca pelo sonho e faz da vida um valoroso idealismo. Ao final da jornada, o velho é tão criança quanto uma criança de 5 anos.

        Albert Schweitzer era um idealista, pois sonhou com um hospital na selva, mas não só. Antes ele sonhou que a gratidão era um sentimento nobre que deveria ser manifesto. Antes ele sonhou que até os 30 anos se dedicaria à música, à teologia e à ciência quase que exclusivamente. E antes ele sonhou que muitos deixavam de sonhar e isso era a coisa mais triste que havia. É terrível quando “ser maduro” torna-se a meta de vida, até porque muitas pessoas passam rapidamente da madureza para a podridão. Schweitzer, por sua vez, não era e nem gostaria de ser tratado como um santo, pois isso seria algo criticável para ele próprio, seria como se alguém levasse uma vida extraordinária porque queria uma vida extraordinária. Isso seria um dos sinais da madureza, e logo, da podridão.

 

Albert Schweitzer. Minha infância e mocidade / Histórias africanas. Trad. de José Geraldo Vieira. São Paulo: Companhia Melhoramentos, s/d.

Albert Schweitzer. Minha vida e minhas ideias. Trad. de Otto Schneider. São Paulo: Companhia Melhoramentos, s/d.

Friedrich Nietzsche. Além do bem e do mal. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.



[1] Esta obra Schweitzer, em “Minha vida e minhas ideias”, considerava como uma obra-prima da cultura alemã.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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