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Ideologia


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 16/03/2023
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Meus textos, em especial os que tratam da docência, têm alguma carga ideológica que procuro defender. De antemão parece que sou movido a seguir uma ideia e a defendê-la, às vezes até acentuando (o que não representa uma dissimulação) certos fatos em detrimento de outros.

Para ser claro e exemplificativo: no texto “Você dá aula?”, eu trouxe vários elementos históricos sobre a docência e, enquanto docente, marquei a minha presença no artigo, trazendo livremente (mas com lastro probatório) algumas questões a mim contemporâneas que escapavam do plano teórico dos autores trabalhados, como Theodor Adorno.

Com o recurso acima fui desonesto? Com esse recurso deixei a probidade intelectual de lado? Não, não é nada disso. Apenas estendi o pensamento ou algum fato para circunstâncias também prováveis e realizáveis em outro momento. Exemplo: em “Tabus acerca do magistério”, Adorno chega a mencionar que o professor na Grécia antiga estava relacionado, dentre outras figuras, com a do escravo. O escravo era figura de simplicidade, de materialidade simples. Junto a Adorno, tracei alguns elementos de história da educação e passei a estender as imagens trazidas pelo filósofo alemão, a saber, a do escravo e a do monge em torno da docência, e disse que o magistério, ainda no século XXI (dei o caso do Brasil), é marcado pela simplicidade.

Quando disse que a simplicidade material docente era visível no século XXI eu me referia, particularmente, à educação básica, mormente à infantil. Há concursos para a educação superior com bons salários (o bom, claro, é sempre relativo) e com um bom plano de carreira. Todavia, na educação infantil, há muitos concursos municipais que a remuneração é quase que irrisória.

As universidades públicas brasileiras têm um ritmo de trabalho bastante interessante e atrativo para boa parte das pessoas que optam pela docência. Há várias circunstâncias razoáveis (o que não significam ideais): tempo para estudo, estrutura material, plano de carreira, dentre outros fatores. Poucos países no mundo, em especial na América do Sul, contam com uma estrutura tão interessante no que diz respeito ao trabalho educacional.

Porém, como sempre tem um porém – e aqui defendo uma vez mais as peculiaridades da vida no magistério -, para a pessoa chegar a ser professora universitária concursada leva anos. Geralmente os concursos exigem doutorado, o que só é conquistado após 6 anos de quando concluída a graduação (isso se o estudante sair de uma pós-graduação e entrar em outra). Além dos requisitos mínimos de titulação, ainda é necessário ter publicações e se submeter aos concursos, que no mais das vezes não vêm com aprovação imediata. Nessa “brincadeira”, muitos professores só chegam a conseguir um lugar efetivo no magistério superior após os 30 anos.

        Já no tocante à mencionada remuneração irrisória da educação infantil eu disse, e isso com certa defesa do magistério, que o tabu da fome que Adorno trouxe ainda faz parte do horizonte da educação do século XXI.

        Eu sou uma das pessoas que escreve sobre educação em “primeira pessoa”, e não em “terceira” (ROCHA, 2020, p. 80-85). Escrever em “primeira pessoa” é quando se é parte da escola, seja enquanto professor, aluno, pai, funcionário administrativo. Escrever em “terceira” é quando se fala da escola de forma distante. É claro que certo distanciamento e “neutralidade” são necessários, no entanto, é muito difícil (o que não representa dissimulação) alguém que faz parte da vida escolar não escrever com certa paixão/proximidade/defesa (o que por si só não é um impeditivo para a seriedade/objetividade). É nesse horizonte que digo que um texto ou outro que escrevo pode trazer certa carga ideológica, aqui entendida enquanto uma ideia (a ideia é: a educação e o professor são importantes) que possui seguidores (eu persigo/defendo a ideia anterior).

Ronai Rocha. Escola Partida: ética e política na sala de aula. São Paulo: Editora Contexto, 2020.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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