Do esotérico ao exotérico
Lendo o livro “Memórias de um professor”, de Attico Chassot, que busca relatar suas várias décadas de docência, passei a refletir conjuntamente um pouco dos meus “minguados” dez anos de exercício no magistério; minguados, claro, se comparados com o tempo de atividade do mestre gaúcho. Um dos tópicos abordados por Chassot no referido livro é que a sua linguagem é no mais das vezes exotérica, isto é, “aberta, do domínio de muitos”, e não esotérica, “hermética, fechada, acessível a poucos” (CHASSOT, 2012, p. 320).
Sempre tive por mim que um professor deve dominar os conteúdos e os métodos da sua respectiva ciência e ser o mais erudito possível. Porém, essa ênfase no conteúdo em nada obsta uma linguagem clara, acessível, de forma que um bom professor deve aliar profundidade com facilidade de comunicação: na união entre esses dois pontos está um dos maiores desafios da didática, senão o maior.
Enquanto professor da disciplina de História busco sempre cuidar da área denominada de “Teoria da História”, mas, por outro lado, gosto muito de saber a origem dos ditados populares. Se por um lado gosto de ler as investigações eruditas dos teóricos da história, discutindo o que é o tempo e como este se manifesta no ofício do historiador, por outro, sobretudo em minhas viagens, amo saber a origem de expressões e costumes. Por exemplo, foi em uma viagem para Paraty, Rio de Janeiro, que descobri que carioca significa casa (oca) do estrangeiro (cari), e isso porque a presença de estrangeiros no Rio era bastante expressiva no início da colonização europeia no Brasil.
Quando a aula parece truncada e os alunos começam a dispersar, o que é comum, eu busco tirar uma carta da manga, que geralmente é uma curiosidade, como a destacada acima sobre os cariocas. As curiosidades, por sua vez, são das mais diversas, indo desde a expressão “olha o passarinho” até um passeio rápido pelo “Deus desconhecido” que o apóstolo Paulo prega em Atenas (Atos dos Apóstolos, 17: 15-34).
Já enquanto professor da disciplina de Didática para a licenciatura em Química, busco fazer com que os alunos entendam que um dos objetivos da didática é gerar, curiosamente, o autodidata, e isso para estimular os estudantes a desbravarem o conhecimento, muitas vezes, por “conta própria”. desses estímulos muitas coisas boas já ocorreram, como, de um desafio feito em sala, o aluno que escrevesse o melhor texto sobre a importância do ensino de Química teria o seu trabalho publicado. Como era uma turma de segundo ano da graduação, boa parte não tinha publicado nada ainda. A turma se mobilizou a escrever e os resultados foram tão bons que foi impossível eu publicar só um trabalho: publiquei dois. Assim, pouco a pouco, apesar de todas as dificuldades, o estudante se torna um pesquisador.
Em meus “minguados”, porém, bem aproveitados dez anos de docência, busco ensinar meus alunos de Didática a fazerem um ensino voltado ao dia a dia, poia a ciência parte da vida e para ela deve voltar. A fala esotérica da universidade deve se tornar exotérica.
CHASSOT, Attico. Memórias de um professor:
hologramas desde um trem misto. Ijuí: Ed. Uninjuí, 2012.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.