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King Richard: Criando Campeãs


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 31/03/2022
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É uma verdadeira lástima que a única coisa que restou após o final da 94ª Cerimônia do Oscar tenha sido a reprovável agressão promovida pelo profissional premiado com o Oscar de Melhor Ator. A cerimônia de premiação aconteceu no último domingo e, desde então, tudo o que se vê, seja na TV ou nas redes sociais, é a cena do tapão protagonizado por Will Smith. Mais do que rapidamente, como de costume, a polarização se estabeleceu ao redor do mundo, engrossando o caldo daqueles que batem no peito e dizem que a atitude foi mais do que correta e inflamando o ânimo dos outros que defendem que a violência nunca é a solução.

O Brasil, especialista em memes e polarização, mais que depressa, já se viu dividido entre apoiadores e detratores da ação e um mar de memes invadiu as redes sociais, de forma que até eu me rendi à moda e postei discretamente a foto do fatídico momento fazendo alusão satírica a uma determinada situação política (mea culpa). O fato é que, independente das piadas na internet, a mensagem transmitida por Will Smith é, no mínimo, trágica. Após dois anos de pandemia, assistimos atônitos ao florescer da pior face da humanidade. Pouca tolerância, violência gratuita, opressão e morte contra as mulheres e às minorias e uma devastadora guerra no Leste Europeu. Parece que dois anos à mercê da morte, por causa de uma doença letal, fez a humanidade retornar à barbárie. Mas não se engane, tudo isso foi gestado ao longo de anos de calmaria e falsa civilidade, a pandemia apenas derrubou as máscaras (na mesma medida que obrigou-nos a colocá-las) e certos governos ao redor do mundo apenas deram mais liberdades para que atitudes reprováveis fossem toleráveis.

É nesse contexto que a violência gratuita chegou à Cerimônia do Oscar. Uma cerimônia, até então projetada para ser um congraçamento, uma homenagem à harmonia após tempos difíceis e tudo corria bem. Os votantes que elegem os melhores profissionais compraram a ideia e votaram de maneira que a mensagem fosse clara, estamos valorizando a diversidade. Por isso, a distribuição dos Oscars foi uma das mais justas e diversificadas de todos os tempos. Apenas para se ter um breve vislumbre, uma mulher negra, latina e lésbica, Ariana Debose, ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, um homem surdo e mudo, Troy Kotsur, ganhou o de Melhor Ator Coadjuvante, um dos mais renomados atores afroamericanos, Will Smith, levou o Oscar de Melhor Ator, uma mulher, extremamente competente, Jane Campion, ganhou o Oscar de Melhor Direção e um filme que trata sobre as dificuldades e as superações de uma família de surdos que tem uma filha que escuta e que quer ser cantora ganhou o Oscar de Melhor Filme. Do últimos anos, esse era o Oscar com maior representatividade, tudo apontava que a Academia formada em sua maioria por homens brancos, heterossexuais e maduros (o suprassumo do patriarcalismo) , dava indícios de uma evolução inesperada.

Até a dinâmica das premiações estava mais agradável e os números musicais, diferente de premiações anteriores, eram inspiradores, com destaque para Sabastian Yatra e sua performance emocionante de “Dos Oruguitas” (pena que não levou o Oscar). Mas, num mundo complexo que insiste em ser maniqueísta, era preciso eleger o herói e o vilão. Coube aos atores Chris Rock e Will Smith assumirem os papeis. Nesse ponto, deixo claro que as funções de cada um para atender a esse quesito acabam sendo subjetivas e dependem do ponto de vista de quem as elege. Para alguns, Rock é herói por ser a vítima, para outros Smith é herói por ser o agressor. Polêmicas à parte, ambos são reconhecidos por seus talentos e são um exemplo e um orgulho para a comunidade negra e para o mundo. Mas, infelizmente, aquela não era a noite de nenhum dos dois.

Chris Rock, amado pelos brasileiros pela série de comédia Todo Mundo Odeia o Chris inspirada em sua infância , é conhecido pela acidez de suas piadas, ele já foi anfitrião do Oscar anteriormente e já tinha demonstrado sua tendência em transgredir para fazer rir. Já Will Smith ganhou os corações de várias gerações no Brasil por seu seriado dos anos 1990, Um Maluco no Pedaço e, a contragosto de muita gente, se firmou como um dos melhores atores de sua geração. Uma trágica piada sobre a mulher de Smith pôs tudo a perder. Uma piada construída a partir de uma referência que apenas os cinéfilos entenderam (no contexto, Rock disse que a esposa de Smith, que sofre de uma doença que faz cair o cabelo, faria parte do elenco da sequência do filme Até o Limite da Honra, de 1997, em que Demi Moore raspa a cabeça no processo para ingressar na elite da Marinha Americana), tirou Will Smith do sério e o fez ir às vias de fato. 

A grande questão agora gira em torno da discussão sobre liberdade de expressão, que é a base para uma sociedade democrática. Boa parte da apresentação da Cerimônia do Oscar está baseada nesse tipo de liberdade e ocorre por meio de standup comedy, aquele molde em que um humorista faz piadas, muitas vezes ácidas e indigestas, sobre trivialidades, alfinetando, hora ou outra, alguém da plateia. Inclusive no Brasil, esse gênero de atração é comum e lota teatros. Após a inesperada atitude de Will Smith, quem garante que, ao redor do mundo e no Brasil, expectadores com o ego ferido não se levantarão, quebrarão a parede imaginária que separa o palco do público e agredirão o comediante? Ou pior, quem garante que num país em que as armas estão cada vez mais acessíveis, alguém não irá descarregar o revolver contra o artista? Vivemos tempos sombrios e cada vez mais a realidade nos aponta isso.

Dessa forma, me dedicarei na Coluna de hoje a falar sobre King Richard: Criando Campeãs, que está disponível no HBO Max. O filme que deu o Oscar a Will Smith é aquele tipo que foi concebido para ser comercial, mas com uma leve pegada artística. Não é inovador, não é profundo, mas apresenta tudo aquilo que a Academia (aqueles que eu defini de maneira bem generalizada acima) gosta de ver e deseja premiar. É ruim? Não! Mas é excelente? Também não! Eu definiria apenas como um filme agradável para ver num fim de semana.

Ele tem tudo na medida certa! Trabalha de maneira honesta as questões raciais e sociais, conta uma bela história de superação e tem aquele ar de cinebiografia que todos tanto gostam. O principal problema está no fato do diretor Reinaldo Marcus Green idealizar um herói no lugar de um ser humano comum. Acontece em muitas cinebiografias que a idealização do protagonista roube a complexidade de quem ele é de verdade. Em King Richard: Criando Campeãs isso fica claro em todos os minutos. O protagonista do filme, Richard Williams,  na vida real tem inúmeras qualidades, mas também possui grandes defeitos e esses são descaradamente suavizados ao longo da trama. Para dar um exemplo claro do que quero dizer, o pai das famosas tenistas afrodescendentes é conhecido por ser um homem explosivo e por ter deixado de lado seus demais filhos para dar atenção especificamente para as duas que mais lhe interessava. Aspectos que poderiam ter sido explorados e que dariam camadas de complexidade à obra, mas que são ignorados, ou abordados de forma muito simplista.

Por outro lado, a obra tem a seu favor o fato de seguir à risca a batida cartilha dos filmes de gênero esportivo. Narrativa fácil e exacerbação de um protagonista isento de erros fazem dele um filme tranquilo de assistir e digerir. Pena que nessa ânsia de ser fiel ao protagonista, o diretor passa por cima do talento das jovens atrizes Saniyya Sidney e Demi Singleton, interpretes de Venus e Serena Williams respectivamente. Elas tinham muito a acrescentar no filme em questão. Já Smith não apresenta seu melhor trabalho, o que me faz questionar o quanto é merecido o Oscar que recebeu. As características mais marcantes de sua forma de atuar, como, por exemplo, sua franqueza, são deixadas de lado para dar espaço a uma interpretação, no mínimo, caricata. Talvez seja isso que Academia esperava, mas será que era isso o que o público queria?

De qualquer forma, ao apresentar uma história de origem e superação o filme desperta e prende a atenção do público, que já está acostumado com a carreira de sucesso das famosas irmãs tenistas, mas que desconhece o caminho e o grande esforço delas e do pai para que chegassem até ali. Vamos à trama!

Inspirado na vida de Richard Williams, pai das famosas tenistas Serena Williams e Venus Williams, o filme mostra como o pai lança mão de métodos próprios e nada convencionais para fazer com que se torne real o futuro que ele planejou para as filhas. Com determinação ele fará de tudo para que elas saiam das ruas de Compton para as quadras do mundo todo onde se tornarão uma das maiores lendas do esporte do mundo.

Por que ver esse filme? O filme tem um ar de positividade muito bem-vindo e justifica de maneira muito habilidosa a crença de que se uma pessoa se esforçar bastante ela alcançará seus objetivos, ou seja, tem uma pegada velada de autoajuda que tem sido bastante valorizada na atualidade. Para mais, emociona na medida certa, fazendo dele uma versão mais luxuosa dos nossos mais queridos filmes da Sessão da Tarde. Boa sessão!

 Assista ao trailer oficial 

 

Odailson Volpe de Abreu


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