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Imaculada


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 06/06/2024
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Na última década, tem sido incrível ver como os filmes de terror evoluíram, acompanhando de perto as mudanças da sociedade e as novas ideias que surgem. É como se o gênero estivesse passando por uma verdadeira transformação, abraçando uma variedade de estilos e temas que vão desde o terror psicológico até as histórias de fantasmas e os clássicos slasher. Essa diversidade tem sido uma verdadeira dádiva para os fãs do gênero, oferecendo uma experiência cinematográfica mais rica e emocionante, enquanto desafia as velhas fórmulas do terror.

Uma das coisas mais interessantes que tenho notado nos filmes de terror recentes é o retorno do horror psicológico, ou como alguns chamam de pós-terror. Os leitores mais assíduos da Coluna sabem o quanto eu gosto de obras como  Hereditário, de 2018, o oscarizado Corra!, de 2017, ou A Bruxa,  de 2015. Filmes que mergulham fundo em temas como trauma, família e identidade, criando uma atmosfera de suspense que prende do começo ao fim. Essas obras não dependem apenas de sustos fáceis; elas desafiam o público a explorar o lado mais sombrio da mente, fazendo refletir sobre os próprios medos e inquietações.  Por outro lado, também se percebeu um retorno de filmes de terror mais brutais e chocantes, como os slasher e gore, que buscam impactar o espectador com violência explícita e imagens perturbadoras. Exemplos recentes incluem A Morte Te Dá Parabéns 2, de 2019, O Ritual, de 2017, e O Segredo da Cabana, de 2011, que combinam horror com um toque de humor negro, atraindo especialmente o público mais jovem. Esses filmes se destacam pela sua estética visual ousada e habilidade em surpreender o público com reviravoltas inesperadas e momentos de pura adrenalina.

Seguindo essas duas tendências de evolução do terror, deparamo-nos com a recente estreia de Imaculada, que é como uma viagem corajosa pelo mundo do terror contemporâneo, que vai além de apenas assustar. É como se fosse uma conversa profunda que desafia o expectador a pensar sobre questões sociais e críticas. Sob a direção habilidosa de Michael Mohan e estrelando a talentosa Sydney Sweeney, o filme se destaca por sua originalidade e pela atmosfera envolvente do início ao fim. Desde os primeiros minutos, o expectador é transportado para dentro de um convento isolado na Itália, onde conhecerá a jovem noviça Cecília. Nesse contexto, é como se fosse possível sentir toda a confusão de Cecília ao se ver envolvida em um mundo cheio de mistérios e segredos. A sua chegada desencadeia uma série de eventos que vão muito além da sua própria fé, questionando as estruturas de poder e autoridade dentro da instituição religiosa.

A história de Imaculada é como um novelo de emoções e reviravoltas, cheio de momentos de tensão que prendem o público à tela. Inspirado em clássicos do terror, como Suspiria e O Bebê de Rosemary, o filme busca explorar temas profundos, como repressão sexual e religiosa, além de luta pelo poder. No entanto, às vezes parece que Imaculada não vai tão fundo quanto poderia, optando por um suspense mais visual do que uma exploração verdadeiramente profunda dessas questões.

Sobre o elenco, o destaque é todo para Sydney Sweeney que, atualmente, tornou-se uma das atrizes mais requisitadas para grandes obras. Após ganhar fama no mundo das séries, como, por exemplo, em Euphoria e The White Lotus, da HBO, ela agora tem dominado a cena cinematográfica. Sua interpretação de Cecília, captura a complexidade e a vulnerabilidade da personagem com muita maestria. Seu desempenho é complementado pelo talento do elenco de apoio, que traz vida e autenticidade aos personagens secundários. Destaque para Simona Tabasco e Benedetta Porcaroli, que interpretam as noviças antagonistas Mary e Gwen, respectivamente, adicionando camadas de intriga e tensão à narrativa.

No entanto, Imaculada não escapa ileso de algumas críticas. Várias análises dos críticos ao redor do mundo apontam para a dependência excessiva de imagens chocantes e cenas de violência explícita, em vez de uma exploração mais delicada e psicológica do terror. Embora esses elementos possam aumentar o impacto visual do filme, há o risco de afastar parte do público e obscurecer as mensagens mais profundas que ele tenta transmitir.

Esse filme funciona como uma peça intrigante no quebra-cabeça do terror contemporâneo, principalmente por causa de sua atmosfera sombria, das performances sólidas e de uma mensagem que desafia as convenções. Apesar de suas imperfeições, é uma obra que merece ser vista e debatida, oferecendo uma experiência cinematográfica que nos provoca e nos instiga. Essa ambientação envolvente e sua narrativa que prende do início ao fim, garante que sua mensagem ressoe muito além da tela. É um trabalho que não apenas assusta, mas também faz pensar, reforçando o poder do cinema como uma ferramenta para explorar as complexidades da experiência humana.

Entretanto, um dos aspectos mais marcantes em Imaculada não é realmente algo condizente com a verdade e, infelizmente, vem até mesmo carregado de um certo exagero. A forma como o filme aborda a representação da Igreja Católica e suas estruturas de poder é desconcertante e, realmente, um desfavor. A maneira como a trama adentra ao convento, revelando seus segredos e mostrando que nem tudo é como parece ser é como se fosse um convite para questionar a influência da Igreja na sociedade. É inevitável notar que Imaculada segue uma trajetória comum aos filmes de terror estadunidenses, muitos dos quais têm uma inclinação inconsciente, ou não, para os valores protestantes predominantes nos Estados Unidos. Nesse contexto, é perceptível que o filme retrata o clero católico de maneira pouco favorável, como se estivessem envolvidos em conspirações, enquanto retrata os fiéis como pessoas submissas e masoquistas. Ao comparar qualquer convento com o cenário apresentado em Imaculada, fica perceptível a diferença entre uma vida ascética da realidade para com a rotina que mais se assemelha a um banquete apresentado no filme. Entretém, provoca, mas não contribui em nada! Apesar disso, por mais errônea que seja a abordagem, ela ainda não é de todo perdida ou negativa, isso porque ela abre caminho para que surjam outras críticas sociais presentes em Hollywood e que são implícitas no filme, tais como a luta de classes, a exposição dos privilégios, ou a liberdade individual.

Por que ver esse filme? Imaculada é um filme que divide opiniões, mas não há dúvidas que, como terror, ele atende completamente as expectativas. Enquanto alguns elogiam sua coragem em abordar questões sociais e críticas dentro do contexto do terror, outros criticam sua falta de coesão e profundidade temática. Mesmo assim, é inegável que o filme oferece uma experiência cinematográfica intrigante e provocadora, que desafia o espectador a refletir sobre o mundo ao seu redor. Imaculada deve ser visto porque, mesmo com suas falhas, ele é um representante muito interessante do terror contemporâneo, tanto por seus méritos quanto por suas imperfeições.

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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