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Drive My Car


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 24/03/2022
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No próximo domingo acontece a tão esperada premiação do Oscar 2022. Após um ano atípico em 2021, com uma cerimônia morna e sem emoção por causa da pandemia de COVID-19, as expectativas para esse ano acabaram se tornando altas. Já sabemos que o Oscar voltou pra casa, por isso a cerimônia será no tradicional Teatro Dolby, além disso, a redução de capacidade do recinto foi menor do que o esperado, de 3.000 lugares para 2.500, o que também garante casa cheia. Outro fator de grande interesse por boa parte do público é a apresentação do evento, que será dividida entre as atrizes Amy Schumer, Regina Hall e Wanda Sykes. Dá lhe Girl Power!

Como o assunto da semana é o Oscar, eu deixei para comentar apenas agora sobre Drive My Car. O filme, que é a primeira indicação do Japão para o Oscar de Melhor Filme, chama a atenção em muitos aspectos e se nas circunstâncias e no favoritismo ele se assemelha a Parasita (filme Sul-Coreano ganhador do Oscar de Melhor Filme em 2020), na técnica e na arte ele se distancia largamente. Por isso, eu não ficaria surpreso se, ao final da cerimônia, Drive My Car tirasse de Ataque dos Cães (meu favorito) a grande premiação da noite. O filme do diretor Ryusuke Hamaguchi concorre com quatro indicações. Além de Melhor Filme, concorre nas categorias Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Filme Internacional.

Diferente de Parasita, Drive My Car não é um filme que busca ser acessível a todos. Ele é um grande representante do que há de mais refinado na Sétima Arte. Seu texto, adaptado da obra do talentosíssimo Haruki Murakami é denso, reflexivo e trata sobre o amor e o luto de forma muito intensa e subjetiva. Não é uma obra desenvolvida para o público fast food, que gosta de consumir, no cinema, grandes porções de sensações por meio de filmes rápidos e superficiais. Como um belo prato gourmet, Drive My Car deve ser saboreado aos poucos para que seu final agridoce seja marcante e permanente.

Sequências amplas, abertas e foco fechado no rosto dos personagens são técnicas que demonstram essa forma de fazer um cinema nada convencional e mais artístico. Para mais, a trama que é um drama profundo recheado de questões morais internas, poderia se converter facilmente em melodrama nas mãos de um outro diretor, mas Hamaguchi sabe muito bem o que quer contar. Por isso, com toda a maestria oriental, ele extirpa todo o sentimentalismo da obra e procura evidenciar o interior dos personagens por meio de seu exterior, ou seja, pela linguagem corporal, falada ou de sinais. Sem clichês, Drive My Car é uma sucessão de pequenas e agradáveis surpresas.

Hamaguchi é mestre na arte de contar histórias particulares e esse é o centro da obra em questão. Para mais, o roteiro, como já dito, busca utilizar constantemente a linguagem como forma de explicitar essas histórias, por isso tudo é tão subjetivo e por isso exige tamanha atenção do público. Ao longo de suas três horas de duração o filme permitirá que o expectador conheça os personagens por meio de rápidos flashbacks e compreenda como o passado deles interfere nas atitudes do presente.

Mais que isso, essas histórias são contadas de forma paralela por meio da peça de teatro que o protagonista está encenando e que faz uma clara alusão à sua vida, mas também à vida de muitos que estão envolvidos nesse trabalho. A peça é “Tio Vanya”, do dramaturgo russo Anton Tchécov, ela toma boa parte do tempo do filme e funciona como um poderoso complemento para a trama principal. Mais do que colaborar para o desenvolvimento da história, a peça funciona como um verdadeiro personagem dentro da trama.

Talvez o ponto divergente e importante do filme seja a jovem motorista do protagonista, uma mulher que exerce um dos ofícios mais masculinos possíveis segundo o imaginário patriarcal , a direção de um carro. No caso, o precioso Saab 900 do protagonista. Essa subversão dos papéis abre o espaço necessário para que a vida encontre seu ponto de equilíbrio entre presente, passado e futuro. Vamos à trama!

No filme temos Yusuke Kafuku, um ator e diretor de sucesso no teatro, casado com uma mulher muito bonita, com quem divide também o trabalho.  Cheia de segredos, Oto, a mulher, morre repentinamente. Kafuku se vê obrigado a seguir sua vida com muitas perguntas sobre seu relacionamento, todas sem respostas. O tempo passa, e ele permanece em luto. Ao aceitar dirigir uma peça no teatro de Hiroshima, conhece Misaki Watari, uma jovem motorista, com que terá que deixar seu carro. Apesar de suas dúvidas iniciais, uma relação muito especial se desenvolverá entre os dois.

Por que ver esse filme? Porque o filme toca fundo na alma humana. Sua capacidade de reproduzir a realidadedemonstrando que na vida nem todas histórias de amor possuem um final feliz e que o luto é sim um emaranhado de tristezatorna-o uma obra sincera, crua e sem fantasias. Drive My Car deve ser visto porque exalta a capacidade humana de perceber seus dilemas, seus problemas, suas dores e seguir em frente de maneira sincera. Sem apelar ao sentimentalismo barato, o filme apresenta os sentimentos contidos e reprimidos ao longo da vida, que são tão emocionantes quanto aqueles externados. Com Drive My Car o Japão provou que não veio ao Oscar de brincadeira. Boa sessão!

 

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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